loucura e angústia

…”Não sou louca; sinto perfeitamente as variadas torturas de cada uma das desgraças.”
Constança em Vida e Morte do Rei João, Ato III, Cena 4

Minha avó paterna faleceu ano passado, no primeiro de julho. Mãe do meu pai, minha última avó. Levou embora consigo a pouca energia que eu tinha sobrando, para dar conta do resto de 2024. Nos vimos pela última vez dois anos antes, quando nos despedimos, antes da minha vinda para a Coreia. Tiramos uma foto juntas, da qual eu gostei muito na época, mas da qual não gosto muito hoje em dia. Mas eu a estava abraçando, e é uma das nossas fotos mais afetuosas. Gravei um vídeo dela parada no portão de casa, fazendo corações com os dedos e acenando, enquanto eu ia embora.

Fiz uma chamada com meu pai no fim de semana seguinte. Ele me contou sobre as três semanas que ela passou internada. Era uma segunda-feira, minha tia ligou no meio da noite, e ele foi correndo até a casa delas, porque vovó estava passando mal. Fizera isso várias vezes; ela tinha crises de falta de ar com frequência, às vezes por causa da asma, às vezes por causa da ansiedade. Mas foi diferente, dessa vez. Papai disse que sabia que ela não iria voltar dessa, quando a viu caída no chão, enquanto os bombeiros tentavam reanimá-la.

O último encontro deles foi no domingo, um dia antes. Depois que eu e minha irmã nos mudamos, cuidar da vovó deu forma aos fins de semana dos meus pais. Papai foi sozinho daquela vez; ela estava na cozinha, como de costume, cozinhando algo delicioso (como de costume). Eles conversaram sobre um monte de coisinhas, ele comeu um pouco do que ela estava preparando. Ela disse que seus suplementos estavam quase no fim, então ele prometeu que compraria uma caixa nova ao longo da semana. No caminho de casa, ele passou por uma farmácia, e decidiu parar e comprar os suplementos, porque ele queria que ela soubesse que ele cumpriria a promessa; ele queria que ela soubesse que ele se importava. Sem que ninguém desconfiasse, aquela foi sua despedida: um pequeno gesto de cuidado.

Eu e vovó conversávamos por mensagem quase todos os dias. Nossa última interação também foi naquele domingo, um dia antes do dia em que ela passou mal. Era meia-noite na Coreia, meio-dia no Brasil. Eu estava exausta e fui dormir às 8, acordei lá pelas 11.45, e decidi ir para uma caminhada noturna. Minha cabeça estava cheia de coisas que eu precisava resolver. Eu queria me resolver com alguém, mas aquela pessoa já estava dormindo. Mandei uma mensagem para outra amiga e, no meio disso, respondi a mensagem de “bom dia” da minha avó. Ela não conseguia digitar muito bem, então mandava áudios e dúzias e dúzias de stickers, e eu sempre a respondia da mesma forma. Naquela noite, eu enviei apenas um, em resposta, porque eu estava muito angustiada. Acabei caminhando ao encontro da minha amiga, chorei muito sobre algo que estava me incomodando, e ela dormiu na minha casa, porque eu não conseguia parar de chorar.

Muitos cenários alternativos passam pela minha cabeça, quando penso sobre aquela noite. Fico imaginando o que poderia ter sido diferente. Talvez eu e vovó teríamos conversado mais, se eu não estivesse tão distraída com as coisas que queria resolver. Mas talvez eu sequer teria respondido sua mensagem antes que fosse tarde demais, se não tivesse decidido sair para aquela caminhada. E se aquela pessoa não estivesse dormindo, ou se minha amiga não estivesse acordada. Se eu não estivesse tão cansada, por causa dos amigos que estavam me visitando, naquele fim de semana. Se eu não tivesse ido para a Áustria, onde conheci aqueles amigos. Se eu não tivesse conhecido a pessoa que me contou sobre aquele projeto na Áustria, se eu tivesse ficado em casa naquela quinta-feira à noite em 2023. Se eu tivesse passado na entrevista daquela bolsa de estudos em 2022, e tivesse entrado em outro programa de mestrado, em vez do programa para o qual me apliquei um mês depois. Se eu não tivesse removido um dente siso alguns dias antes da entrevista na qual não passei. Se eu sequer tivesse pensado que estudar na Coreia era uma boa ideia.

Eu sou uma pessoa que pensa demais e não tenho condições de sustentar muitos arrependimentos. Minha solução é sempre fazer todas as coisas que eu sinto que devo fazer, vivendo nos limites da minha consciência em todos os momentos. Eu confio na minha habilidade de bancar tudo o que eu falo; algumas pessoas dizem que nem tudo que fazemos demanda 100% de nós, mas eu discordo. Sou extremamente ciente de como as pequenas coisas que acontecem, as pequenas escolhas que fazemos, se recombinam e se tornam processos e eventos muito maiores. Pode ser o vício dos escritores, a obsessão de encontrar conexões e costurar reações em cadeia, ou traços da minha imaginação sociológica, perdida tentando prever o futuro. Em ambos os casos, estou sempre tentando discernir uma narrativa. E este é um hábito perigoso, a origem de vários vieses cognitivos, a razão pela qual eu não consigo viver sem terapia, mas também é a razão pela qual eu sei que o único sticker que enviei para minha avó, naquela noite, veio do fundo do meu coração. Sempre vem.


Tem um texto que vem ocupando meus pensamentos por alguns meses. Eu não o escrevi ainda, mas tenho tentado há algum tempo. É sobre como eu me sinto sobre a vida. É um tema ridiculamente amplo, a razão pela qual ainda não o escrevi. É assustador porque é algo que quero escrever para me justificar diante do mundo. Não consigo decidir por onde começar porque, em momentos diferentes nos quais pensei em escrevê-lo, senti que precisava justificar partes diferentes de mim mesma (diante de mim mesma, primeiro, depois dos outros). Ao mesmo tempo, eu sempre concluo que existe algo em comum conectando essas dificuldades específicas, e é por isso que ainda penso que existe Um Texto que precisa ser escrito sobre essas coisas. Um dia, em breve, com sorte.


Eu me considero sortuda sempre que sou lembrada que viver é tanto um privilégio quanto um fardo, e que nossa falta de controle é a regra, não a exceção. A morte de uma pessoa querida nos coloca especialmente de frente com essas questões, mas existem outras pequenas mortes pelo caminho. Minha obsessão com narrativas é confrontada pelo quanto a vida pode ser anticlimática. Jovens talentosos morrem em acidentes preveníveis, idosos envelhecem pobres e sozinhos depois de uma vida de amor, serviço e trabalho duro. Tantos esforços sem recompensa, sem reconhecimento, tanto amor desperdiçado. Não tem como explicar e entender todas as pontas soltas na tapeçaria da existência. Talvez por isso eu nunca tenha detestado histórias tanto quanto agora; não existe uma forma de mudar de ponto de vista que faça com que minha situação atual faça sentido.

Mas eu orei por uma vida assim. Há alguns anos, quando dediquei minha juventude à obra do Senhor, pedi que Ele me levasse ou me deixasse onde quer que Ele quisesse, de acordo com Seus planos. Isso significa que meus próprios planos eram secundários, diante do que Ele quisesse que eu fizesse primeiro. Foi um convite a atrasos, desvios e outras inconveniências, no fluxograma de vida que eu havia imaginado para mim mesma. É uma oração que impressiona pessoas, prova do quão entregue eu estou ao Reino de Deus! É menos impressionante quando as coisas começam a acontecer, e você descobre que tem muito menos fé do que você precisa para sobreviver a várias estações vivendo a vida que você não queria viver. Meus sonhos e desejos não estão totalmente direcionados à Eternidade, não tanto quanto eu achava.

Mas nem todos os dias têm gosto de derrota. Estou convencida de que eu experimento com mais frequência que outros, a sensação de que as coisas aconteceram exatamente como deveriam—não uma manipulação de fatos, para sentir que ganhei quando perdi o que eu queria, mas a real experiência da janela do tempo oportuno, quando os eventos que tornaram algo possível foram tão específicos e irreproducíveis, que não poderiam ter ocorrido sem que fossem divinamente orquestrados. Pode ser tão simples quanto ter uma conversa especial e significativa com uma amiga, e reconhecer que aquele momento não teria acontecido se suas circunstâncias fossem melhores, ou diferentes. Em termos de inteligência artificial, é uma pequena vitória de todos os meus esforços de reprogramação. Otimismo não é algo natural para mim, eu tive que construí-lo sozinha. Mas é um desafio, e um hábito, e eu me sinto pouco perseverante ultimamente.

Após a morte da minha avó, entrei em um espiral de arrependimento porque senti que não havia sido digna de me despedir dela, porque estava muito distraída com coisas pouco importantes. No seu último dia na terra, quando ela me chamou para desejar um bom domingo, minha mente estava cheia de outro tipo de arrependimento, de algo evitável, uma dor que eu mesma causei. Como se eu estivesse sendo punida por não ter me resolvido com meu coração partido, algo que nem merecia tanta atenção assim. O lado negativo de certas formas religiosas de enxergar o mundo é o vício de classificar tudo como bênção ou maldição. Tudo o que deu errado, ou que não foi como eu esperava, nos últimos dois anos, foi como uma penitência.

O pensar demais se alimenta de dissonâncias cognitivas, sustentando a crença de que qualquer turbilhão—do presente, passado ou futuro—pode ser resolvido com a linha de pensamento correta. Culpa mantém as engrenagens girando; um senso de responsabilidade torto faz muito para nos convencer de que ocupamos uma posição de muito poder e influência, no grande esquema de fatos e eventos em uma reação em cadeia. Mas o que eu esperava sentir, depois da morte de uma pessoa querida? Me culpar é apenas uma das muitas reações naturais; loucura e angústia caminham juntas onde as razões são insuficientes.


Existe uma versão ideal de mim que não é afetada pelas circunstâncias, uma máquina que nunca falha em prever qual é a melhor micro-decisão a se tomar em todos os momentos. Eu nunca chegarei aos pés dela, porque eu sou uma poetisa, e nasci para me fazer de boba. Eu erro as contas e pago caro, e colho os frutos. Eu carrego o fardo de existir, fazer coisas e deixar traços. Talvez exista uma aspiração mais profunda, por trás das coisas que eu digo nos dias em que mais guardo rancor de estar viva, que é a esperança de jamais ter existido. Sem corpo, sem pecado, sem prazeres, sem recompensas, sem fardos. A medida de controle definitiva.


Ironicamente, do outro lado de todos os “e se?” que me atormentaram depois da morte da vovó, existe um pequeno contra-fato. Originalmente, eu deveria ter voltado para o Brasil naquela época, em agosto ou setembro, mas tive que adiar minha graduação—por causa do semestre que passei indo para a Áustria, e a série de eventos que quebrou meu coração. Se isso não tivesse acontecido, ela teria falecido logo antes do nosso reencontro. Eu tenho honestidade intelectual suficiente para admitir que esse cenário teria sido muito pior para mim. O ponto não é decidir o que foi bênção ou maldição, mas confesso que esse pensamento, no meio de todos os possíveis cenários alternativos na minha cabeça, me ajudou a dormir melhor à noite. Um lembrete de quão pouca perspectiva eu sou capaz de compor. Paz não é uma resposta natural; é uma forma de desistência, e requer algo do qual desistir, primeiramente.


Essa tem sido uma temporada de muitas perdas, menores que a morte, mas provocando os mesmos pontos sensíveis—culpa, arrependimento, ressentimento. Dias em que a alegria dos pequenos prazeres não dura muito. Mais uma vez, tenho que encarar minha humanidade, de formas novas. Já se passaram nove meses, desde a morte da vovó. A razão é invariavelmente post facto; com mais esclarecimento, parece que as coisas são muito simples. A hora da vovó chegou, ela se foi, e isso não tem nada a ver comigo, ou com as coisas que eu posso controlar. E eu sinto falta dela, e vou sentir por muito tempo. Vai doer um pouco menos, em algum momento, mas outras coisas ainda irão me acontecer, que vão doer tanto quanto, ou muito mais. E então, um dia, será minha hora de ir. A despeito de todas as narrativas que eu possa escrever a respeito da minha vida, não há um final diferente possível para essa história. Descanse em paz, vovó. Eu estou indo ao seu encontro.

Photo by Grant Whitty on Unsplash

madness and sorrow

…”I am not mad; too well, too well I feel
“The different plague of each calamity”
Constance in King John, Act III, Scene 4

My paternal grandmother passed away last year, on the first of July. My father’s mother, my last grandparent. She took to her grave whatever little energy I had to make it through the rest of 2024. The last time I saw her was two years before, when we said goodbye, before I came to Korea. We took a picture together, which I liked so much at the time, and which I dislike a bit now, because the lighting was not very flattering. But I was hugging her, and it’s one of our sweetest photos. As we drove away, I took a video of her outside the house, making finger hearts and waving goodbye.

I had a call with dad on the weekend after her passing. He told me about the three weeks that she spent under intensive care. It was a Monday night when my aunt called him, and he went running to their house, because grandma had passed out. He had done that several times; she would often run out of breath in the middle of the night, sometimes due to asthma, sometimes due to anxiety. But, this time, it was different, that time. Dad said he knew she wouldn’t recover the moment he got there, and saw her lying on the floor, almost lifeless, as the emergency workers tried to bring her back.

The last time they met was on Sunday, the day before. After my sister and I moved out, visiting grandma helped my parents fill their weekends. He went alone that time; she was in the kitchen, as usual, cooking something delicious (as usual). They talked about a bunch of small things, he nibbled on whatever she was preparing. She was running out of supplements, so he told her he would make sure to buy a new box later that week. On the way home, he passed by a drugstore, and decided to stop and get the supplements, because he wanted her to know that he meant it, when he said he would buy them; he wanted her to know that he really cared. Unbeknownst to all, that was their farewell: a small thoughtful gesture.

Grandma and I texted almost every day. Our last interaction was also on Sunday, the day before she stopped breathing in the middle of the night. It was midnight in Korea, around noon in Brazil. I was exhausted from the week and went to bed at 8, woke up around 11.45, and decided to go for a walk. My head was full of things that I needed to sort out. I wanted to speak with someone, but he was already asleep. I texted another friend, then I replied to my grandma’s “good morning” message. She couldn’t text well so she mostly sent voice notes, and a swarm of stickers, and I always replied back in the same fashion. That night, I only sent one, because I was too distressed. I ended up walking to meet my friend, cried a lot about what was bothering me, and she had to stay over, because I couldn’t stop crying.

Many alternative scenarios run through my mind, as I think about that night. I wonder what could have been different. Maybe grandma and I would have talked more, if I hadn’t been so distracted by the conversation I wanted to have with someone. But maybe I wouldn’t have even replied to her text until it was too late, if I hadn’t decided to leave for a walk. What if he had been up, what if my friend had been asleep. If I wasn’t so tired, from having multiple friends visiting that week. If I hadn’t gone to Austria, where I met those friends. If I hadn’t dated the guy who told me about that project in Austria. If I had stayed home that Thursday night in 2023. If I had passed that scholarship interview in 2022, and gone to a different Master’s program, instead of the one to which I applied the month after. If I hadn’t removed my wisdom tooth right before the interview that I failed. If I hadn’t decided to give this idea of going to graduate school in Korea a shot.

I am an overthinker and I cannot afford to have many regrets. The solution is to always do everything that I feel like I should do, living to the fullest of my heart and conscience at any given time. I trust my ability to put all of my money where my mouth is; some might say that not everything we do requires 100% of us, but I disagree. I am hyperaware of how the small things that happen, the small choices that we make, become the pipes and prisms of much bigger processes and events. Be it the vice of writers, the obsession with connecting parts and chains of events, or my flawed sociological imagination, lost in the predicting of outcomes. In both cases, I am always trying to make sense of the narrative. And this is a dangerous habit, the source of multiple cognitive biases, the reason I can’t afford to go without therapy, but it is also the reason I know that I meant that little sticker I sent to my grandma, with all my heart. I always do.


There is a text that has been occupying my thoughts for months now. I haven’t written it yet, but I have been trying to, for a while. It is loosely about how I feel about life. This is pathetically broad and the reason why it remains unwritten. It feels daunting because it is something I want to write solely to justify myself before the world. I can never get the content right because, at different times, I feel differently about what parts of myself are the most disjointed, most unjustifiable and unacceptable (by me, first, then by others). At the same time, I suspect there is some loose connecting thread linking all of these struggles, hence why I still think about it as One Text that I shall write, one day. Soon, hopefully.


I consider myself lucky whenever I am reminded that living is as much of a beautiful privilege as it is a heavy burden, and that our lack of control over things is the norm, not the exception. It doesn’t always hit as heavily as it does when someone dies, but there are other smaller deaths along the way. My obsession with narratives is challenged by all the ways that life turns out to be anti-climactic. Seeing talented young people die in preventable accidents, seeing elders who aged into poverty and loneliness after a lifetime of love, service and hard work. So many efforts that went unrewarded, unacknowledged, so much love that might as well have gone to waste. There is no way to account for all of the loose ends in the tapestry of living. Maybe that is why I have never hated stories as much as I do now; no amount of perspective, reframing or starting over can account for where I stand.

But I prayed for such a life. A few years ago, when I dedicated my youth to the service of God, I asked Him to freely take me or leave me wherever He pleased, however suited His plans. This meant that my own plans were second to whatever He needed me to do first. It was an open invitation to delays, detours and other inconveniences in the sequence of events I had envisioned for myself. The prayer sounds great when you tell people about it, something to boast abouthow selflessly you have given yourself away to the Kingdom of God! It is not so good when events begin to unfold, and you realise you are not fit for the measure of faith you are expected to deploy, to endure season after season stuck where you hadn’t hoped to be. My hopes are desires aren’t geared towards eternity, not as much as I thought they were.

Not all days feel like a failure, though. I am convinced I feel it more often than most, that things were exactly as they were supposed to be—not as a way to rationalise the hurt of not getting what I wanted, but really experiencing that small window of serendipity in which the specific twists and turns that made something possible are so intricate, that it couldn’t be anything other than divine. This can be as little as having a heartfelt conversation with a friend, and realising that moment wouldn’t have happened if you weren’t unemployed (as I am now). In the terms of machine intelligence, this is a small victory of all the reprogramming effort I have taken up. Optimism doesn’t come naturally to me, so I had to build the frame myself. But it is a struggle, and a habit, and I feel less than perseverant these days.

The spiral of regret that followed after my grandmother’s death stemmed from the feeling that I had been counted as unworthy of a proper goodbye, because I was too distracted with unimportant things. On her last day on earth, when she reached out to wish me a good Sunday, my mind was filled with regret from something else, something avoidable, a stupid hurt that I had brought upon myself. Like I was being punished for fixating on my broken heart, something which hardly anyone else thought worthy of so much thinking. This is a downside of certain religious ways of seeing the world—immediately assigning things as blessings or curses, and then just bending the narrative as events unfold, and new consequences come about. Every single thing that went wrong, or not as I expected, in the last two years or so, has felt like a penitence.

Overthinking feeds off cognitive dissonances, sustaining the belief that any turmoil—present, past or future—can be addressed with the right thinking process. Guilt keeps the gears spinning; a misplaced sense of responsibility goes a long way in convincing someone they occupy an extremely powerful and important position, in the grand scheme of related facts and events in a chain reaction. But what did I expect to feel, after the death of a loved one? Blaming myself is one of the natural reactions; madness goes with sorrow where reasons fail to follow.


There is an ideal version of me that is unmoved by circumstances, a machine who never fails to predict what is the best, most optimal micro-decision to be made at all times. I will never measure up because I am a poet, and I was born to play the fool. I miscalculate the costs, pay the full price, reap both the bitter and the sweet fruit. I bear the burden of existing, which is doing things and leaving traces. Maybe there is a deeper, higher aspiration, lurking beneath the things I say when I resent being alive the most, which is to have never existed at all. No body, no sins, no pleasure, no rewards, and no burdens. The ultimate control measure.


Funnily enough, on the other side of all the what-ifs that I can pull out of the pain of grandma’s passing, there a little counter-fact. I was supposed to be going back to Brazil around that time, maybe in late August or mid-September, but I had to delay my graduation—because of the semester I spent going to Austria, because of the chain of events that led to my broken heart. If I hadn’t, she would have passed right before we were scheduled to reunite. I have enough logical thinking and honesty left in me to agree that this would have been somehow worse, all things considered. Assigning a label of blessing or curse to these events is not the point I am trying to make, but this small thought, amidst the sea of possible pathways in my head, did help me sleep at night. A functioning reminder of how little perspective I am capable of conjuring. Peace is not a natural response; it is giving up, and it begets something to be given up, first.


This has been a season of losses, smaller ones, but coming for the same pressure points nonetheless—guilt, regret, resentment. Days when the joy of the small pleasures doesn’t linger. I am coming to terms with my humanity again, in different ways. It’s been nine months since grandma’s passing. I made peace with the goodbye I couldn’t say. Reason is invariably post facto; my mind has cleared a bit, and things turn out to be very simple, as they are. Grandma’s time came, and now she is gone, and this has nothing to do with me and what I think I can control. And I miss her terribly, and I will do so for a long time. It will eventually hurt less, but other things will come and hurt me just the same or worse. Then I will die one day as well. Regardless of the narratives I have told myself about living, there is no different end to the story. Rest in peace, grandma. I am coming to meet you, too.

Photo by Grant Whitty on Unsplash

5 de Janeiro de 2020.

A foto abaixo (tirada pela minha irmã) fez um ano hoje. Ela documenta uma experiência muito inusitada e quase surreal que eu vivi em Janeiro do ano passado, quando fui pra Inglaterra pela primeira vez desde 2016 pra apresentar uma pesquisa sobre como o fandom de BTS ocupava o Twitter, na Kingston University. Experiência sobre a qual eu, autointitulada “contadora de histórias por vocação divina”, nunca escrevi. Por falta de saco, por falta de tempo, por falta daquelas palavras que a gente só encontra depois que pensa o suficiente sobre um acontecimento. Mas hoje, 5 de Janeiro de 2021, parece que é finalmente um bom momento pra falar a respeito dela.

Eu sou Arquiteta apenas de formação, não de ocupação. Eu pago minhas contas com aulas de Inglês, a língua que eu domino o suficiente pra que a usasse para apresentar minha pesquisa independente diante de uma pequena plateia de gente que eu respeito muito de alguns países diferentes. A mesma língua cujo domínio me permitiu viver na Inglaterra por 11 meses entre 2015 e 2016, uma experiência que, em larga escala, definiu minha vida, mas, em pequena escala, tornou a viagem do ano passado mais especial, pelos sabores inconfundíveis do reencontro.

Comecei a dar aulas de Inglês em Abril de 2019, mas me comprometi de verdade com o trabalho apenas em Outubro, por conta da viagem, também, pois ela foi razoavelmente inesperada e eu precisava banca-la. Ainda bem que, em Fevereiro de 2007, meus pais conseguiram negociar um preço bacana pra que eu começasse a estudar na Cultura Inglesa de Uberlândia. Na época, eu tinha 12 anos incompletos, e, como a criança que eu era, achava que já estava “muito tarde” pra que eu finalmente realizasse o sonho de começar a aprender inglês (que inocência a minha). Nessa escola, eu conheci professores que me ensinaram a amar aprender a me expressar em uma língua diferente. Fiquei lá até o fim de 2012, quando completei meu curso CAE.

De volta a Outubro de 2019, admito que a falta de um diploma em Letras me fazia ter reservas quanto à começar a dar aulas; mas, naquele período especificamente, eu estava um pouco mais confiante que em anos anteriores, e a janela da oportunidade me parecia grande o bastante para que eu pulasse por ela. Estudando Coreano desde o começo do ano, eu havia constatado que minha mente muito analítica – afiada pela formação de Arquiteta, e combinada com minhas experiências estudando a Língua Inglesa e a Língua Alemã – tinha me ensinado a sistematizar as línguas de uma forma muito conveniente. Eu era capaz de me aprofundar nas suas estruturas, fundamentos e oportunidades de expressão usando minhas estratégias de análise de projeto, compreendendo e desconstruindo as duras e assustadoras regras, e fazendo com que meus alunos adultos finalmente entendessem como usar o “don’t” e o “doesn’t”, e como pronunciar “cycle” sem perder o sabor do L depois do C.

Essa pronúncia do L, por si só, me é muito cara – custou muitas horas de exercícios para que ensinasse minha língua presa a se mover da forma certa. Nessa mesma época, o distante ano de 2009, eu ainda estudava alemão, e alternava os esforços em L com os esforços em contornar meu freio para pronunciar os R’s em “Wir sterben niemals aus”, minha música favorita da banda que me motivou a estudar. Domar a minha língua para que se movesse de forma a reproduzir os sons que ela era naturalmente incapaz de fazer foi fundamental para que eu desenvolvesse a capacidade de reproduzir qualquer som que eu ouvisse. Essa habilidade inesperada me ajudou quando comecei a estudar canto, participou do desenvolvimento do meu sotaque que me faz soar como uma Americana que ficou tempo demais no Reino Unido, além, claro, de me ajudar no desenvolvimento da fluência e da desenvoltura com a qual eu conseguia falar uma língua que não era a minha – incluindo meu desafio mais novo, que é aprender Coreano o suficiente pra pensar numa pós-graduação na Coreia do Sul no futuro próximo.

Assim como eu estudei Alemão por causa de Tokio Hotel e Cinema Bizarre, a verdade é que comecei a estudar Coreano, sim, por causa dos meus artistas favoritos da Coreia do Sul. Eu conheci todos mais ou menos na mesma época, mas aqueles são parte da minha adolescência, enquanto estes são da minha fase adulta. Eu, adolescente, sonhava em ser designer, e estudar na Bauhaus; eu realizei o sonho de visitar o prédio da escola em 2016, durante meu intercâmbio, um dia antes do meu aniversário de 21 anos. Andando por aqueles corredores, eu tive a convicção de que os sonhos da Luisa de 14 anos, que haviam me carregado até aquele local, morriam ali mesmo. A Alemanha era, na verdade, o destino original que eu tinha em mente quando me inscrevi no programa de bolsas. Cá entre nós, eu fui para o Reino Unido a contragosto – eu sequer queria ir pra Leicester (a cidade onde conheci meus melhores amigos, que também reencontrei em Janeiro do ano passado).

Eu ainda não encontrei uma nova visão de futuro que me carregue como antes, mas eu tenho novos pequenos planos pelos quais consigo trabalhar e, com a Graça de Deus, alcançar, se for conveniente, como viajar para o Reino Unido para apresentar uma pesquisa que foi fruto de me permitir ser fã mesmo depois de crescida, de algo que eu havia rejeitado dez anos antes, quando era adolescente. Uma pesquisa que não teria nascido se eu não tivesse me formado no que me formei, se não conhecesse as coisas que conheço, se não dominasse as línguas que domino, se não tivesse passado por cada um dos minutos das horas dos dias das semanas dos meses dos anos que me levaram até o momento em que essa foto foi tirada, há 366 dias.

Em 31 de Dezembro de 2017, vivendo um inferno familiar, eu fui dormir com um cinto enrolado em uma das mãos, escondido embaixo do meu travesseiro, com a promessa de que eu acabaria com a minha vida se acordasse sentindo a mesma dor que eu sentia naquele momento. Entre eu, meus pensamentos e Deus, foi o dia mais difícil que eu já vivi. Eu gostaria de dizer que toda aquela dor já passou, mas meu coração ainda dói muito, e voz que me diz pra desistir ainda sopra no fundinho do meu ouvido. A vida é dolorida, de viver, de ver, de ouvir falar, mas a minha mente muito analítica – afiada pela formação de Arquiteta, e combinada com minhas experiências chorando de dor de tanto pensar em tudo que acontece nesse mundo – me ensinou a sistematizar a vida de uma forma que me ajuda a aguentar firme, um dia de cada vez.

Estou próxima de completar 26 anos. Eu vivi uma porção de outras coisas na minha vida além das que eu relatei aqui agora. Muitas perdas e derrotas, muitas frustrações, coisas faltando, dias estagnados, tantos momentos que eu já esqueci e que nem sei dizer se foram mais ou menos importantes pra criar quem eu sou hoje, e muitas, muitas pessoas que eu encontrei ao longo do caminho, que me ajudam a lembrar que eu não sou a personagem principal da história da humanidade, mas que eu ocupo sim um lugarzinho, um minúsculo papel que quero desempenhar com honra e gratidão ao Arquiteto do Universo, que me concedeu o fôlego que me faz estar aqui, hoje.

Não se engane, crer que existe um propósito em tudo vai muito além de racionalizar as voltas que a vida dá, pra olhar com Graça pros casos e acasos. Não é romantizar nem negar a dor, mas acreditar que, por trás das curvas e ângulos da geometria da existência, existe algo maior que minha própria vida (que é tão frágil, tão pequena, e pode acabar amanhã, ou agora mesmo). Acreditar que existe um Arquiteto infinitamente Bom, cuja mente analítica é impregnada de Amor, e que produz pensamentos muitos mais altos que os meus – não um Deus do caos, mas um Criador que cuida das suas criaturas, que as acolhe como filhas e filhos, e deixa que vivam com as consequências das suas escolhas, enquanto se movem por terra, céu e mar, e causam múltiplas, infinitas reações em cadeia, desde as primícias dos milhares de anos em que a gente é gente sobre a Terra. Sempre que bate o medo, eu me agarro a cada pequeno momento, cada pequeno encontro, cada sonho perdido, cada plano frustrado, com a certeza de que coisa alguma entre todas as dimensões e domínios do visível e do invisível, até a Eternidade, de onde tudo vem, e para onde tudo vai, é em vão.

2016 vs. 2020

#2. o som que a estrela faz (reprise).

       Este texto é o segundo de uma série.

     Minhas primeiras músicas favoritas foram “True Colors”, “Clocks” e “I don’t wanna miss a thing”. Cada uma chegou até mim de formas diferentes – por CD, por rádio, e por uma fita de VHS que meus primos mais velhos assistiam o dia todo na casa da nossa falecida avó. Dos 4 aos 7 anos, muita coisa muda pra uma criança, mas algo de constante era que, nessa época, eu não entendia nada de inglês ainda – nem o mínimo que me permitisse entender o que as letras dessas músicas diziam. Eu só entendia os sons, e era muito suficiente; eu era apaixonada pela forma como elas soavam, e meu peito queimava com elas.

     Lá pelos meus 11 anos, eu ainda não falava inglês, mas escutava músicas japonesas o dia todo. Aos 14, minha banda preferida era alemã. Nunca aprendi a falar japonês, mas nunca deixei de escutar essas mesmas músicas dos meus 11 anos, mesmo que até hoje eu nem sempre saiba recitar a letra de cor. Alemão, por sorte, eu aprendi, mas, antes disso, eu aprendi a repetir foneticamente os sons das canções, como fazia com as minhas preferidas em japonês, porque me importava saber cantar, saber participar delas, enquanto eu escutava. Eu era apaixonada pela forma como nós soávamos juntas, e meu peito ainda queima com elas.

     Hoje eu tenho 24, mas tinha 23 ainda quando comecei a montar minha primeira playlist de músicas coreanas. Pra quem me conhece há muito tempo, era só mais uma das minhas muitas fases, mas não é que cada fase, mesmo que vá passar, importa pra caramba, antes que passe? Acho que hoje já tenho bem mais que uma dezena, mas a questão não são os números. A questão é que elas me tocam todos os dias, da mesma forma que outras músicas cujas letras eu desconhecia me tocavam, através de suas melodias, suas batidas, e de como suas vozes soavam, fazendo meu peito queimar com elas. Elas se comunicam comigo.

     Pra uma pessoa que fala muito, qualquer coisa vira um diálogo, mesmo que sejamos só eu e uma canção conversando, dentro dos limites dos meus fones de ouvido. Às vezes, eu respondo com meu silêncio, às vezes com movimentos dançantes, ou produzindo pensamentos na velocidade da luz, ou criando uma playlist nova e implorando que todos os meus amigos escutem, pra saber se eles também conseguem escutar o que eu estou ouvindo. Como se, por trás de algumas faixas, existisse um outro som, que faz sacudir o fundo das minhas tripas, e puxa elas de dentro pra fora, até que trava no coração, e meu corpo inteiro se sacode. Quando o Sublime se revela pra mim, pelos ouvidos, ele escorre pelos olhos, pelos braços, pelos dedos, como se eu fosse Santa Teresa em êxtase, como se fosse a primeira vez todas as vezes.

     Já tem muito tempo que eu tento explicar qual é o som que a estrela faz, e talvez eu tenha demorado tanto a entender porque achava que esse som vinha de dentro, porque se parece muito com uma queimação incessante no peito [já escrevi sobre isso uma vez, em 2012]. E é a mesma queimação que eu senti na infância, quando descobri minhas primeiras canções preferidas, e todos os anos seguintes, enquanto eu cresci e deixei que muitas músicas me tocassem e me construíssem. A confusão era, principalmente, um problema de referência, porque eu achava que deveria olhar pra dentro pra encontrar uma estrela, quando, na verdade, eu tenho certeza que todas estão no céu, do lado de fora, bem distantes de mim. Como a queimação no meu peito, o som que a estrela faz, que vem de dentro, é apenas resposta de outro som, aquele que ecoa por todo o Universo, desde o dia em que o Criador bradou que houvesse Luz.

     O Sublime é, antes de tudo, um convite à humildade. O som que a estrela faz se parece muito com o som do meu coração apertado batendo por entre os meus dedos, sendo atraído para fora, tentando convencer todo o meu corpo a virar do avesso perante à constatação permanente de que eu sou muito, muito pequena mesmo, diante de toda a majestade que pode existir dentro dos acordes que formam uma melodia. É o som da imagem da Glória, da qual eu sou apenas um reflexo – tal qual a Lua, uma fiel testemunha.  Parece loucura pensar que qualquer canção pequena possa fazer ressoar em mim os sinos da Eternidade, mas isso faz parte da loucura de ser um fragmento de poeira gloriosa no Universo – como todas as coisas pequenas, elas fazem mais sentido quando você considera o todo. Existem os momentos em que a gente tenta se explicar, e existem aqueles em que a gente apenas senta, e contempla a manifestação da Glória. Selah.

     Photo by Ryan Hutton on Unsplash

    [fiz uma playlist com algumas das canções que me fazem ouvir o som que a estrela faz.]

O Lado Escuro da Lua

     Já notou quão paradoxal é o fato de que nossa era humanista coloca o homem no centro do universo, mas, depois desses últimos séculos, o que nos restou como sociedade secular foi um bando de gente deprimida e ansiosa? Ajuda a entender se a gente pensar em termos comparativos. A Bíblia diz em Gênesis 1 que os astros foram colocados no céu para sinais, e eu sempre penso que tudo que nós precisamos saber de nós mesmos já aconteceu de alguma forma com as estrelas e planetas.

     Pensa comigo: a Terra gira em torno do Sol, a Lua gira em torno da Terra. A Terra é muito menor que o Sol, a Lua é muito menor que a Terra. O que faz um corpo celeste girar em torno do outro é a atração gravitacional que eles exercem – e, segundo a lei da gravitação universal, a força de atração mútua é proporcional às suas massas. Ou seja, um corpo só consegue fazer com que outros girem ao seu redor se ele for grande o bastante para sustentá-los.

     Se você pensar nos planetas como pessoas, e tentar montar uma cena em que a Lua decide que é o centro do sistema solar, agora, talvez a gente veria uma Lua esgotada de tentar sustentar todos os planetas e estrelas entre o Sol e aquilo que a gente chamava de Plutão. Talvez a gente sequer visse mais uma Lua, mas vários fragmentos de um corpo celeste arrebentado por um peso que sequer tinha estrutura pra suportar. Ou, talvez, a gente veria exatamente o que continuamos vendo, ou supondo que vemos, quando olhamos pro céu – Sol, Lua, planetas, todos no mesmo lugar – , porque a vontade da Lua de ser o centro desse sistema não inverte a ordem das coisas, não substitui a força gravitacional que o Sol exerce e mantém a Terra no mesmíssimo lugar, dando uma volta em torno do próprio eixo por dia.

     O problema, então, seria todo da Lua, porque, enquanto o universo continuaria girando e se expandindo da mesma forma, independente do que ela ache ou deixe de achar, na cabeça dela, todas as referências estariam invertidas, e talvez, em algum ponto, ela até acreditasse que a Terra estava o tempo todo girando em torno dela. E talvez causar o movimento das marés reforçasse essa ilusão de que era tudo sobre ela, no final das contas, e era tudo questão de ponto de vista mesmo, pra que ela descobrisse o próprio valor como ponto focal do universo. E, talvez ela começasse a achar que tinha luz própria, de tanto desprezar o Sol, e se deixasse esquecer que era apenas um reflexo, algum tipo de imagem, e que tinha um lado permanentemente escuro.

     Aconteceu, no entanto, que, no girar dos astros, todos se alinharam, e a Terra entrou no caminho do Sol. Houve escuridão sobre a face da Lua. Foi Pink Floyd quem nos deixou essa de presente – não existe um lado escuro da Lua; ela é, de fato, inteira trevas. Será que, então, ela se daria conta de que não tinha luz própria, e se deixaria afogar nas trevas? Será que seria capaz de crer que, em algum momento, o Eclipse passaria? Talvez, muito tempo depois, ela se daria conta de que não era a sua força que fazia o sistema girar, mas talvez ela aprendesse a relevar todos os fatos se sobrevivesse ao primeiro Eclipse e conseguisse suportar o tempo de escuridão, em prol da sua ilusão. Talvez a Lua seja uma grande iludida, sobrevivendo à todas as suas fases e seus ciclos de 28 dias, recusando-se a reportar-se ao Sol como sendo a fonte de Luz.

     Salmos 89:37 chama a Lua de uma “fiel testemunha” no céu. Eu sei, eu sei, aquilo fala da Aliança de Deus com Davi, mas não é uma imagem fascinante? Já ouvi gente dizendo que nós somos muito parecidos com as árvores, mas acho que somos muito parecidos com os corpos celestes, flutuando sob um campo gravitacional muito maior que o seu, sendo iluminados por uma Estrela muito maior que si, e ficando fascinados demais com o reflexo pra lembrar que somos feitos de escuridão, e que precisamos do Sol todos os dias. Nossa força não muda a forma como os dias giram, mas depende da nossa honestidade com os fatos reconhecer qual é a verdadeira ordem que faz surgir as estações. Aliás, a Bíblia também diz isso em Gênesis 1, não?

     Acho que era Kant quem dizia que não existiu nenhuma Revolução Copernicana, porque Copérnico não foi lá e tirou a Terra e substituiu pelo Sol no centro do sistema – só revelou a Verdade das coisas. Mas talvez o ponto que Kant não quisesse admitir é que a Verdade é a coisa mais revolucionária de todas, e traga os mais significativos impactos profundos pra história de quem vê a realidade sob o ponto de vista de correto. Neste momento, por exemplo, está muito calor, e eu não consigo pensar mais no Sol como Deus, mas como uma metáfora do inferno – mas isso não é mais assunto pra agora.

     [featured image by user Shinzo_Shikimira on Reddit]

Uma impostora melhor que você.

 

     Eu assumi, há algum tempo, um compromisso sem precedentes com a verdade na minha vida. Apesar de ainda estar em desenvolvimento, e de eu realmente não entender plenamente quais os termos deste compromisso, eu tenho descoberto que comprometer-se com a verdade e a integridade, de corpo e alma, é ainda mais desconfortável que você consegue escrever, ou descrever. E causa muita confusão. Começando em mim, ou você, porque nós somos essencialmente inclinados pra autopreservação, e, neste jogo de sobrevivência, tudo que mente, finge, ou engana, faz melhor ao ego.

     Existem pessoas que focam mais nos resultados, em vez dos processos que levam até eles, e cada um consegue mais ou menos ajustar a própria consciência de acordo. Eu particularmente sempre fui muito preocupada com os processos, mas eu fui viciada demais na opinião dos outros, desde criança (ou talvez todos nós fomos, mas eu não tenho como falar por todos). Quanto mais você se ocupa da opinião dos outros, mais facilmente você abre mão da verdade e da integridade – porque, na maioria das vezes, seus atos mais verdadeiros ficam só entre você e sua consciência, e isso raramente contribui pro sucesso da sua imagem perante os outros. Aliás, eu até ousaria dizer que a integridade mais importante é aquela que fica no secreto,

     Eu sei que tenho problemas com autoimagem e aceitação há uns bons anos – a maioria de nós tem, eu presumo – , mas, até algumas semanas atrás, eu te diria que tinha aprendido a me importar muito menos com a opinião dos outros. Eu reduzi drasticamente minhas expectativas e ambições na vida, passei a valorizar o silêncio, as coisas modestas e escondidas, os pequenos trabalhos e tudo aquilo que se passa pela minha mente e que nunca vai virar um texto, nem uma legenda de Instagram, nem uma frase no Twitter. Se você me perguntasse mais, eu diria que havia abrido mão dos desejos por alcançar lugares altos, e só queria ser “eu” – tudo dito em um tom que transformava qualquer outra pessoa que fosse ou pensasse diferente de mim em um ser “menos evoluído”.

     O problema é que minha mente não parava de refletir sobre todas essas coisas nas quais eu pensava. O fluxo de pensamento ficou flertando com o fundo da minha mente por vários dias, semanas, até que a ideia começou a se infiltrar e, então, eu precisei começar a assumir pra mim mesma que eu não era muito modesta, mas muito, muito orgulhosa. Profunda e extremamente orgulhosa. Tão orgulhosa (e ferida), que eu estava escolhendo abrir mão de todos os meus sonhos, planos, desejos, vontades, perspectivas, expectativas… Por medo de fracassar, sentir todas as dores da frustração, e me tornar uma piada diante dos olhos públicos. A covardice mais amarga que eu já tive que admitir.

     Eu era viciada na opinião dos outros, então toda ideia de valor que eu tinha de mim mesma estava baseada em ser a melhor em alguma coisa. Esses são os fatos, eu quase sempre estive em ambientes em que eu era a melhor em alguma das coisas que eu fazia – meus desenhos, meus textos, meu conhecimento sobre meus assuntos preferidos. Eu não tinha capacidade de me reconhecer como uma pessoa de valor se eu não fosse sempre a melhor, porque eu não conseguia imaginar como eu poderia ser amada de outra forma. E eu ainda tive muita disposição pra me esforçar pra superar pessoas do meu convívio que eram melhores que eu, e talvez por isso as pessoas que me conheciam sabiam me machucar tão bem, quando me diminuíam ou me comparavam de forma negativa. Sempre foi tudo que eu tive.

     Crescer invariavelmente me trouxe cada vez mais provas de que eu poderia sempre ser muito boa, com meus talentos naturais, e meus esforços, mas que, em algum lugar do mundo, sempre haveria alguém melhor do que eu. Poderia ser na China, mas também poderia ser do meu lado. Na minha sala, na minha turma, na mesma igreja, com os mesmos amigos. Eu era muito boa em artes gráficas, mas minha irmã se tornou muito melhor que eu. Minha melhor amiga estudou um curso de Humanas e leu muitos mais livros que eu. Foi com certeza também o que consolidou meu pânico de autoestima, quanto mais eu percebia que eu jamais seria a mais bonita, ou mais magra, nem comparada com as meninas ao meu redor, nem comparada com as milhares de meninas que a gente consegue ver todos os dias, agora, pela internet, como uma galeria de terror, de todos os rostos e corpos que eu nunca terei.

     Com o tempo, conforme eu conheci muita gente que argumentava melhor, e escrevia melhor, que havia amadurecido muito mais, e aguentava muito mais, e era muito melhor que eu em todas as coisas nas quais eu me apoiava pra sobreviver, eu entrei em desespero – e, no meio do desespero, tomei todas as decisões erradas. Eu estava me agarrando a ídolos de papel, que se desmanchavam nas águas do mar no qual eu estava, mas, em vez de trocar de barco, eu preferi me afogar, porque eu não estava disposta a passar pela dor excruciante de tirar uma parte de mim. Como se isso fosse um câncer muito grande, como daquelas pessoas que acabam deformadas pelo tamanho e peso dos tumores, que precisava ser tirado sem anestesia, porque é assim que as coisas da alma funcionam.

     Minha irmã passou os últimos quarenta dias fora, e voltou com uma frase que me perfurou dolorosamente – a verdadeira humildade é querer ser exatamente quem você é em Deus, nada acima, nem abaixo, mas querer ser tanto mais quanto menos do que quem você é, é orgulho. Eu poderia jurar pra mim que estava agradando a Deus e deixando ir embora meu orgulho, escolhendo propósitos modestos e sonhos ínfimos, mas acabei descobrindo que, como uma boa ilusão, eu estava subindo uma escada, enquanto acreditava estar descendo. Passei meses tentando me comprometer com a verdade, enquanto vivia uma mentira, cheia de palavras bonitas, enfeitadas, repetidas, automáticas, que ajudavam a enganar minha consciência consciente. A minha grande sorte – e sua, caso você também tenha se identificado com isso – é que nosso subconsciente, e o Espírito, nunca se enganam. Mas, se estamos disposto a nos deixar convencer da nossa grande fantasia, fica a critério de cada um. Existem pessoas que focam mais nos resultados, em vez dos processos que levam até eles. Cada um pode tentar ajustar a própria consciência de acordo.

 

• • • • • • •

     Esse texto não tem uma conclusão clara porque o processo ainda não está completo. Claro, existem muitas coisas ainda a se dizer sobre propósito, sobre identidade, sobre motivações secretas, desejos ocultos, perspectivas mais próximas ou mais distantes, qual o plano maior, e a razão pela qual nós existimos, mas tudo tem uma hora designada, e eu não sei se é esta. Eu poderia dizer, de forma bastante dramática, que estou no meu ponto mais baixo, mas eu não quero testar o quão ruim as coisas ainda podem ficar.

     No entanto, ainda tenho esperança suficiente pra esperar que esse seja realmente, pelo menos, o ponto mais baixo deste processo, e que o que vem em seguida é cura e plenitude, mas eu achava que estava assim há bem pouco tempo, e consegui descobrir que essa estrada tinha mais uma curva acentuada inesperada. Dói demais, eu não consigo aceitar às vezes o quanto dói ser humana e insistir em ter fé suficiente pra acreditar no fim dos processos, quando tudo que você queria era uma morte rápida, e indolor. Literal ou figuradamente, cada um interprete como quiser. Mas, convenhamos – o tempo se arrasta, ou voa, mas, de qualquer forma, a morte chega, qualquer morte que seja. Não é melhor continuar acreditando que, se eu aguentar essa dor, posso alcançar Graça pra Vida plena depois? Eu realmente penso que sim.

Photo by Steinar Engeland on Unsplash

Um comentário honesto sobre Nós – o que eu acho que sei sobre Amor, Verdade, e os clichês do Ser.

     (Não que os outros não tenham sido honestos, claro)
     Gastei algum tempo hoje refletindo sobre tudo que eu tenho escrito e pensado nos últimos meses. Esse blog sempre foi principalmente um canal pra extrapolar os meus pensamentos sobre várias coisas, mas uma análise atenciosa demonstra como eu tenho uma tendência inegável a refletir sobre o Ser e suas muitas implicações.
     E isso não é um sintoma de excesso de discurso e falta de prática. Pelo contrário; sem transformar isso em uma autodefesa, mas eu sempre busquei ser atenta às implicações práticas das coisas nas quais eu pensava. Aliás, foi assim que esse comentário honesto aqui nasceu; uma reflexão sobre o que eu aprendi, depois de tantas crises existenciais, emocionais, espirituais, histéricas e afins. Ou o que eu estou aprendendo, porque o processo parece longe de acabar.
     Ainda quero desenvolver isso melhor em outro momento, mas por ora basta eu te contar que tem uns 5 ou 6 anos que eu tenho pensado muito sobre como o mundo precisa de mais empatia. “Mais Amor, por favor” não adianta nada se tivermos mais amor interesseiro, egoísta, buscando os próprios ganhos e benefícios – amor este do qual o mundo JÁ está transbordando. O genuíno Amor transformador, desde os contos de fada até as mais antigas religiões da humanidade, é o Amor desinteressado e altruísta. E não existe Amor que se sacrifica sem empatia, sem a capacidade de se enxergar na dor do outro (e, sim, isso é bíblico – Hebreus 4:14-16, a empatia é o fundamento do milagre da Graça).
     Indivíduos só são capazes de se compadecer daqueles que eles enxergam como sendo seus semelhantes. Por isso alguns seres parecem ser mais “humanos” que outros, para certas pessoas – diferenças de classe, etnia, língua, e até espécie (pra certos vegetarianos/veganos radicais) alteram o grau de humanização que atribuímos uns aos outros. E se eu me vejo como diferente de todo mundo, ou melhor que todo mundo, vou desejar pra mim apenas coisas que não desejo pros outros, e se eu realmente acredito que todos somos iguais, vou buscar justiça pra que todos possam compartilhar dos mesmos direitos, e assim por diante. O princípio é simples. Mas tá, o que tem a ver?
     Quem me conhece há vários anos provavelmente se lembra muito bem de uma certa arrogância e um nível de egoísmo que permeavam tudo que eu fazia (sem tempo pra explicar com detalhes, mas eu me sentia tão isolada na vida que eu acreditava que ninguém era como eu e etc.). Pela misericórdia de Deus, tô me aproximando dos 23 com a plena conviccção de que a maior parte disso foi destruído na minha vida. Pela misericórdia de Deus, eu reitero, porque foi Ele quem permitiu que os caminhos que eu mesma escolhi pra mim fossem organizados pra me levar até o fundo do poço.
     O lado legal disso tudo é que Ele foi comigo e, chegando lá, pelas minhas próprias pernas, Ele foi a luz que me permitiu ver que, ao contrário do que eu pensava, eu nunca estive sozinha, nem no fundo daquele poço – muita gente tava lá. Muita gente que eu amava, conhecia, admirava, gente até cuja aparente perfeição machucava a minha percepção de mim mesma. Aliás, vamos tratar essa ilustração como se eu estivesse caída no Inferno de Dante, em vez do fundo do poço, e a luz divina me permitiu descobrir que eu não estava sozinha no meu círculo, mas que havia muitos outros, acima de mim, abaixo de mim, mas, mais importante, todos lotados.
     Nada é novidade. Todo mundo é um caos. Já leu isso antes, aqui? Vai ler muitas vezes ainda. É a verdade nua e crua (ou não a verdade inteira, mas pelo menos uma boa parte dela).
     Cada ser humano é um universo desgovernado em si, todo antagônico, e a maior revelação da minha vida foi descobrir que eu não era a única em guerra, a única dormindo aos prantos todos os dias, incapaz de formular pensamentos equilibrados ou passar um dia inteiro sem me odiar completamente. Eu descobri que todo mundo tinha níveis de carência, e todo mundo queria conseguir coisas por mérito próprio, fazia muitas coisas pra aparecer, postava fotos pra ver se uma pessoa X ou Y curtia, dormia no meio do tempo de oração, gastava horas preciosas refletindo sobre coisas desnecessárias.
     Descobri, entre lágrimas e risos, que nós todos somos humanos. Meu Deus! Que revelação aguada. Qual a grande surpresa?
     Meu problema com os clichês é que, quanto mais eu reflito sobre a vida, mais eu percebo que eles são reais, e que nossas vãs tentativas de quebrá-los nos fazem esquecer das verdades mais fundamentais da vida. Qual é a graça real em quebrar todos os paradigmas, mesmo? Tem coisa que, de tão desconstruída, deixa de ser verdade e vira mentira, só pela abstração. Parece capenga falar tanta coisa aqui como eu falei, pra no fim só constatar que nós somos todos humanos, mas será que nós já de fato vivemos como se entendêssemos que somos humanos? Fiz um exame cuidadoso de mim mesma aqui e, não, eu não. Não sei quanto a você.
     Não se engane. Muita gente ao seu redor tem tanta vontade de crescer e provar que pode fazer melhor que os próprios pais quanto medo de crescer e descobrir que é igual ou pior que eles. Quase todo mundo perderia o sono por ansiedade, ou esperaria coisas e se frustraria. São nossas tendências naturais. Se existe algum prumo que possa alinhar essas bagunças e nos ensinar a enxergar as coisas simultaneamente do nível do solo e dos olhos do pássaro, isso é outra história. Aliás, é o tal do processo do qual eu falei um pouco na “Carta aberta aos meus amigos”. Uma versão macro da mágica que transforma o caos dos pensamentos em poesia.
     Enfim. Amor. Empatia. Somos todos iguais, ou pelo menos muito parecidos. Não se cobre tanto, mas não se acomode. Não use as diferenças pra justificar as divisões. Não use as semelhanças pra justificar a uniformidade. E, se tudo isso aqui se parece demais com tudo que você já leu ultimamente, eu espero que hoje você acredite e aceite. E, se não for hoje, que outra pessoa, mais competente que eu, te convença a aceitar sua essência. Algum dia vai. Algum dia, vai.
    Photo by Andrew Moca on Unsplash

Carta aberta aos amigos – Eu acredito em você.

     O ser humano é uma máquina de contradições ambulante. Minha falta de conhecimento científico sobre o assunto me impede de saber se existe alguma teoria do comportamento que explique isso, mas, enfim, contradições. Nós somos naturalmente inclinados ao desacordo. Isso porque somos feitos de razão, emoções, e sensações; mente, coração e corpo. E não precisa ser muito reflexivo pra entender que nossa mente, nosso coração e nosso corpo querem coisas totalmente diferentes, o tempo todo. O desacordo entre as nações, entre os povos, entre as pessoas, começa no desacordo de dentro. Não há coerência, apenas o caos. E a tendência ao caos.

     Por isso, criamos tantos códigos pra nos comunicar e regulamentar, buscamos tanto pela Verdade, procuramos um prumo que nos alinhe, ou pelo menos crie condições de estarmos alinhados um ao lado do outro, ainda que o caos de dentro permaneça o mesmo. Existe alguma virtude no fingimento em sociedade, porque ele disfarça nossa total incapacidade de viver em paz (eu já até escrevi um pequeno parágrafo sobre como a falta de empatia evidencia a falácia da vida em sociedade). Cada indivíduo é um caos só.

     É por isso que as pessoas se machucam o tempo todo. Mente, coração e corpo em jogo, entre pais e filhos, irmãos, amigos, parceiros, casados, solteiros, colegas de trabalho, colegas de classe, conhecidos e desconhecidos passando pela rua; a imprevisibilidade de cada linha do tempo se encontrando com outras no lugar e na hora errados. Meias-verdades contraditórias tentando encontrar algum ponto em comum. O caos que há em mim saúda o caos que há em você – e algo explode no meio do caminho. 

     Um dos maiores triunfos da individualização das referências na sociedade pós-moderna foi transformar a geração da comunicação numa geração falha em comunicação. A multiplicação dos contatos evidencia cada vez mais o caos dentro de você. Numa palavra, numa mensagem, um olhar, um gesto, uma imagem, algo dito ou não dito, as pessoas conseguem construir ou destruir pontes, abrir ou fechar pra sempre portas, porque são tempos intensos, e ninguém tem tempo pra se demorar uns com os outros. Sua mente machuca o que seu coração ama, seu corpo rejeita o que sua mente aprecia, seu coração rejeita o que seu corpo quer. E, no fim, alguém sempre sai prejudicado – um, ou todos. É o preço.

     É muito confortável a posição de quem analisa as pessoas de fora, mas não repara nas próprias mãos sujas de sangue, ou nos buracos de bala furados no peito. Entre mortos e feridos, não se salvaram todos, e tanto eu quanto você fomos culpados de uma guerra que não acaba quando eu e você morrermos – a guerra do ser contra o próprio ser, seu ser interior, e todos os seres tentando ser, um dia de cada vez ao nosso redor. Eu simpatizo com a sua dor, amigo, porque ela sempre dói, ou já doeu, ou doerá em mim. E eu simpatizo com a sua culpa, porque a culpa sempre é, ou foi, ou será minha. Já disse o poeta que “o mundo gira, e vacilão roda”.

     A Bíblia me diz que eu não posso amar meu próximo verdadeiramente enquanto não amar a mim mesma. Eu te pergunto, quem poderia amar o caos que nós somos? Sem romantizações, eu acho bem improvável, porque o caos sempre machuca, e é machucado. Só me resta torcer por tudo aquilo que eu posso ser, quando reconciliar cada parte de mim e da minha história, pra que possamos viver em paz – ainda que seja um trabalho de uma vida toda. E ainda que a convergência completa seja apenas a expectativa do fim dos tempos, a esperança da plenitude ainda é suficiente. E, se eu posso me amar pelo meu potencial, amigo, eu também posso te amar pelo seu. Não desista nunca de quem você é, por todos os sacrifícios de quem você já foi, e por tudo que você pode ser. Você ainda vai muito longe. Eu tenho certeza. 

Photo by Filipp Romanovski on Unsplash

Futuro Marido, precisamos conversar.

     Hoje é Dia dos Namorados, ou “dos eternos namorados”, como dizem os casais mais velhos por aí. Eu não faço ideia de quem você seja, mas, daqui a alguns anos, seremos nós, trocando declarações bregas, ano após ano, até que o Senhor nos chame pra casa. Isso te empolga? Ainda digo pra todo mundo que prefiro que você nunca chegue, mas deve ser só um pouco de medo de que alguma coisa dê errado, e eu me frustre de novo. Eu já me frustrei bastante.

     Mas a verdade é que eu e meu melhor Amigo conversamos sobre você (mas não espalha por aí). Ele não me conta muita coisa ainda, mas escuta com atenção, e cuida de suavizar toda ansiedade no meu coração. Aliás, Ele cuida tão bem de mim, que prometeu que me confiaria a alguém que cuidasse como Ele. A pessoa mais parecida com Ele que eu conhecesse, foi como Ele me convenceu, foi o nosso combinado.

     Eu já me desgastei muito, sabe? Mas aprendi com Ele que não entregamos nosso coração em pedacinhos. O Senhor tem me ensinado a ser boa pra você, desde já. Nós reconstruímos muita coisa pensando em você e no futuro que vamos construir. Aliás, um baita de um futuro. Mal posso esperar pra que trilhemos juntos o caminho estreito, pra que arrebentemos as portas do Inferno e alegremos o céu com frutos. E filhos. Eu queria 4, educados em obediência e Graça, pra que O amem de todo o coração.

     Te escrevi a primeira carta aos 12 (mas já queimei, em algum lugar). Te pedi lendo comigo todos os livros do mundo, e morando em todos os países da Terra. Semana passada, pedi que chovesse no dia do nosso casamento, pra gente poder dançar sem que ninguém atrapalhe. Eu sei que seremos tão parceiros que ninguém saiba dizer se casados ou do crime. Arranjar umas confusões santas, sabe? Feito Priscila e Áquila. Virar noites conversando (porque eu converso muito). Visitar umas galerias de arte. Arrumar juntos a cozinha do almoço (eu lavo, você seca). Trabalhar pra ter uma casa, e depois abrir ela pra quem precise, feito Keith e Melody. Viver intensamente.

     Não sou tão inocente que deixe a esperança me cegar pra vida real, mas eu prometo que, pelo braço forte do Senhor, espantarei suas tristezas, e enfrentarei as suas batalhas, do corpo, do coração e do espírito. E a sua taça nunca ficará vazia, porque vem da mesa dEle o nosso vinho. Cearemos eternamente junto ao nosso Pai, e os céus serão testemunhas de que foi tudo pra Glória de Deus. Dessa forma, eu te espero, e vou guardando pra você meus abraços. Ninguém aqui tá com pressa.     

Nada escapa aos Teus olhos.

     For the English version, click here.

     Existe um mistério por trás dos olhos do Pai.

     Pra ser sincera, existe um mistério por trás de todos os olhos que estão por aí, já que fomos feitos à imagem e semelhança dEle. Como são incríveis as muitas visões que podemos ter uns sobre os outros, e como eu gostaria de me enxergar pelos olhos de outros, e como eu gostaria de emprestar meus olhos para que outros vissem valor naquilo que é precioso para mim.
     Mas os olhos do Senhor passam por toda a Terra. Somos 7 bilhões hoje, mas nosso Deus Forte conhece cada pessoa que já andou por este planeta. Cada pessoa que já morreu já esteve sob o olhar do Pai uma, duas, tantas vezes. Ele vê tudo, aleluia. Ele conhece tudo, glorifiquem Seu nome. Não há onde possamos nos esconder, que Seu Amor não nos encontre – pois o Senhor não é um que nos vigia como um cão de guarda, porém um que cuida de nós.
     Deitada aqui na minha cama, muito depois da minha hora de dormir, enquanto penso sobre quem sou, ainda acho incrível que o Senhor tenha me visto, e me escolhido. Não posso culpar aqueles que acham difícil acreditar que Deus os ama e tem um plano para eles – apesar da nossa geração acreditar que o mundo gira em torno de nossos umbigos, os números de depressão e baixa auto-estima crescem. O mundo é tóxico à nós – às nossas identidades, à cada uma das nossas características e peculiaridades. Tudo nos é roubado, tudo é uniformizado. Eu já estive assim – não sabia quem eu era, pra onde ir, sem propósito. Só medo, e dúvida.
     Mas, nessa multidão de 7 bilhões, nada escapa aos olhos dEle.
     Pra ser sincera, eu não acho que seja grande coisa. Nenhum de nós é, não podemos fazer nada sozinhos. Somos limitados, mas Ele faz por nós tudo aqui que não poderíamos fazer. Quando caímos, quando nos perdemos, quando nos calamos, quando toda esperança se esvai, Ele está lá, esperando que clamemos Seu nome. Ele é a luz que queima mais que o Sol, e eu sou só uma coisinha de nada, me gloriando no Senhor. Eu celebro minha vida, os anos que se passaram, os que virão, o que estou vivendo. Celebro cada dia difícil, celebro as dores de ir e vir, porque o Senhor vai adiante de mim cada vez que dou um novo passo.
     Eu acredito que o mistério da piedade se basta em como o Deus Glorificado nos mantém seguros em Seus braços, e, apesar da nossa pequenice, tem um propósito para nós. E Ele só nos diz a verdade, e Sua verdade nos liberta – quando o mundo nos diz que somos fracos, e pequenos, e nos sufoca com suas perfeições inalcançáveis, o Senhor é misericordioso, e Suas misericórdias se renovam a cada manhã, e nós nos alegramos nas nossas fraquezas, pois é nelas que o Poder dEle se aperfeiçoa a nos faz forte.
     Os anos podem passar, mas meu coração permanecerá maravilhado por esse Amor que me salvou, e que me salva todos os dias, do qual eu nunca serei merecedora. Eu nasci para a glória do Senhor! Meu Pai cuida de mim. E que o mundo inteiro saiba que eu sou amada, todos os bullies, todos os senhores, todos saibam que o Senhor é meu escudo, o meu melhor Amigo, que levanta minha cabeça e me toma pela mão direita quando o mundo cai ao meu redor. Havia, sim, um mistério por trás dos olhos do Pai, e eu olhei através deles, e eu descobri – eu sou dEle, e Ele é meu.