Eu sou uma acumuladora por natureza. Eu diria até que faz parte da minha vocação de contar histórias, porque quem não guarda histórias não tem nem o que contar. Mas, apesar da poética da coisa, eu luto contra a tentação de acumular demais. Gosto de pensar que passar as coisas que eu guardo adiante é uma forma de contar histórias também, de não deixar que elas fiquem paradas comigo pra sempre. Já me desfiz de metade dos meus globos de neve, de uma porção de livros de capa dura (meus preferidos). De certa forma, entregar minhas coisas como presentes sempre parece que faz ir embora um pedacinho de mim, mas esse é justamente o lado bom de se compartilhar: a esperança de que tudo que sai de nós seja semente, que gera vida quando cai em solo bom.
Tem uns anos que eu moro na internet, já, e um monte das minhas memórias também. Acho que uma parte de quase todo mundo hoje em dia tá assim, guardada online, nesse espaço virtual (que nem é bem um espaço, mas que eu já considero tanto). Pelo menos uma vez por semana, eu acabo passeando pela minha galeria de fotos, revendo as épocas, as experiências, as pessoas, as coisas que eu vi, fotografei, as coisas que não mostrei, as capturas de tela especiais de notícias que já perderam sua relevância, ou de conversas que pareciam importantes. Hoje, caí numa lembrança de exatamente um ano atrás, em que eu tentava ensinar um amigo a ler poesia. Encontrei a foto que enviei, por mensagem, de uma contagem de sílabas poéticas. “Mas as coisas findas,/muito mais que lindas,/essas ficarão.”
Eu acredito intensamente numa alegoria que desenhei há uns meses, em um sonho, de que construir uma amizade é como construir um farol no meio de um oceano de qualquer coisa (nem sempre é água, mas eu falo disso depois). Eu subia escadas, via o céu, o mar, a luz, e um amigo diferente cada vez que dormia e sonhava de novo. Minha mente me dizia que aquele era o “ponto sem retorno” – quando duas pessoas constroem algo juntas, e o que elas fazem uma pela outra no meio do caos. Sou fascinada por pessoas e pelas marcas que nós deixamos umas nas outras, porque o charme das páginas da nossa vida são as bordas desgastadas, e os pingos de lágrimas que borram a tinta do til em cima do “não”.
Passar as histórias que eu guardo adiante é uma forma de não deixar que elas fiquem paradas comigo pra sempre; naquele dia, eu ensinei um amigo a ler poesia, e ele depois fez uma poesia pra mim, e eu lhe fiz outra, e depois nós brigamos e não nos falamos mais. Faz um ano só, parece pouco, mas marca um ciclo, porque as coisas mudaram, mas o farol tá ali ainda, mesmo que eu não suba mais essas escadas, mesmo que ninguém se ocupe de tirar o pó dos degraus e dos corrimãos. A gente sente falta das pessoas que passam, mas me conforta saber (ou acreditar) que nada vem nem vai em vão.
Em todo canto em que eu parei com meu barquinho, fiz questão de que houvesse luz. De vez em quando, enquanto eu navego pelos dias, o brilho me alcança à distância, ou vem tão forte que parece que me cega por um minuto, e eu sequer me lembrava que estava passando tão perto… Mesmo quando faz chorar, eu sei que faz bem. Ilumina o caminho pra alcançar outros mares, outras ondas, outras rochas e costas onde a gente constrói outros faróis, que iluminam ainda outros caminhos, e assim por diante. No fim, é só minha forma de pensar nas coisas clichês com as quais a gente convive, mas é que a vida é clichê mesmo, gostemos ou não. É o que eu tenho para hoje: uma foto, um texto e três versos – “Mas as coisas findas,/muito mais que lindas,/essas ficarão.”
Este texto é o primeiro de uma série.
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