When words fail

     It’s hard for me not to think about the time I’ve been abroad whenever I try to write down my feelings and ideas, because that’s basically the most important thing going on in my life. 81 days now. Trying to explain how fast it’s going is pointless and hurtful, because I’ve caught myself thinking of how I could just stay here and never return to the mess that my homeland has become a lot more times than I wish I had.
     
     Anyone in this same position of not only leaving home, but moving to a whole different country, will definitely waste a lot of time complaining about all the comfortable things one has lost when deciding to go on this life-changing jouney. Luckily, I’m not anyone to complain on how I miss my car and my warm weather without speaking first of all these new things I’ve figured out about myself. That’s why I think that most of us eventually end up with some huge text posted online. Internet has made it easier for anyone to catch up with our latest experience. That’s phenomenal. We just love to tell the world how we are.
     
     I ocasionally end up talking a little bit about my experiences here on my snapchat, not just because it’s a fantastic social network (yes, it is) because of how quick you share things and they disappear forever shortly after, but also because I know that there’s a lot of people who care about me and that expect me to tell them what’s going on with my life on a daily basis (hi, mom), and snapchat just makes it a lot easier, closer, more human. I could actually be doing this on snapchat, recording my words and the weird yet funny faces that I effortlessly do.
     
     But this is a reflection about writing. And writing demands words to be typed, read, felt together. God bless those who made it possible for blind people to read with their own hands. The inner feeling we get with our eyes is surprisingly comparable.
     
     I’ve tried to understand what writing actually means to me a bunch of times. I believe that I may have finally and inadvertently assembled a rather satisfactory answer to that question, while renewing this blog’s layout. “Escrever é meu mapa pessoal do tesouro de ser feliz” (“Writing is my personal map of the treasure of being happy”), and I am the land to be explored.
     
     The truth behind that may be the key to this wonderful self-awareness I have developed over the past years. As complicated as I may be, as uncontrollable, unstable and emotional as I may get, I would have never been able to acknowledge that through any other way than literature. I may have abandone my tales and poems for a while, but I still see myself in each one of the characters I created, and I ocasionally think of them and wonder how their lives would be now if they were alive somewhere else than inside my head. But, still, I can’t help but write all the time.
     
     I haven’t been exposing myself lately in a desperate attempt to protect my own heart from my own stupidity, but I must say that I am most certainly tired of covering my feelings up. I have too many, and they just don’t fit inside this body of mine (even with all the weight I’ve gained since moving out). I live in a constant overflow of feelings. Even if my words never reach the paper, never get typed, I write all the time inside of my head, as if my gray matter demanded imaginary words written on its surface. My passion for the Arts and the Sciences may be high, but I am a writer, after all. I may be writing at you right now, actually, on the lines of this beautiful colorful iris of yours that I’ve been staring at for so long.
     
     A picture may be worth a thousand words, but I only know of music speaking whenever words fail. But that’s something for a different moment. For now, words are enough for me.

Da minha consciência.

     De tempos em tempos, eu creio que precise renascer nas minhas percepções de mim mesma. Há algumas semanas, constatei, com horror, que a pessoa que eu vinha me tornando estava sendo sufocada, dentro da minha mente, pela pessoa que eu era – recusando-se a morrer, sozinha, como sempre temeu estar. Hoje, acordei em meio a um surto psicótico de um eu que eu cria haver matado há muito tempo já. Enquanto a chuva caía lá fora, insistente, há tantos dias, suas mãos me prendiam a garganta e o ar me faltava.
    
     Eu queria mentir para todos ao meu redor e dizer que tudo estava tão bem quanto deveria, mas eu sempre fui muito carente de atenções. Na minha busca por discrição e silêncio, calei um pedaço de mim que agora chora, quase morrendo, mas recusando-se a sair. Por 20 minutos, parecia uma grande sombra negra que encobria não só os céus de bronze, mas os céus de mim, e já não havia qualquer luz. Meu chão foi embora e a leveza que vinha sentindo há alguns dias não foi suficiente para me fazer gravitar. Caí em queda livre.
    
     Ainda não paramos. Nem eu, nem a chuva.
    

     

Eu não sei o que podemos fazer, Maria

     Eu também tô ferrada, Maria, eu também tô ferrada. Não tô sabendo pra onde eu vou, de onde eu vim, o que fazer. Eu tô desanimada, Maria, eu tô desanimada. Eu tô cansada. E eu tô precisando mudar, revolucionar minha vida. Mas eu não sei o que fazer, eu realmente não sei. Eu tô perdida, Maria, eu tô tão perdida quanto você. Pra onde a gente vai agora, Maria? Eu não tô enxergando o caminho.
     
     E eu tô apaixonada, Maria. Tô apaixonada, de otária que sou. Tô sem saber pra onde eu vou com isso. Eu não queria, Maria, eu juro que não queria. Mas daí foi maior que eu, mais forte que eu. Eu fico sem saber o que vai ser, é sempre tudo tão difícil pra mim. Pra nós, né. A gente se magoa tanto. Eu tô apaixonada, mas isso não me dá mais vontade de viver, não tanta quanto eu preciso, e queria. Eu queria fazer alguém feliz, Maria, é por isso que eu amo. Mas até os meus amados amigos estão infelizes e eu tô deixando, Maria. Você tá infeliz, e eu não consigo fazer nada. Eu não mereço nada bom, Maria.
     
     Mas eu queria merecer, sabe, Maria. Eu queria. Mas eu não sei o que eu devo fazer. Eu não sei o que você deve fazer. Eu não sei de nada, Maria. Eu só finjo que sei, e as pessoas compram a ideia. Isso é ridículo, Maria, é ridículo que eu ainda precise fingir. É só comigo que as coisas são assim, ou é com todo mundo? Por favor, diz que é com todo mundo, Maria, e me diz que todo mundo no mundo é igual. Todo mundo no mundo carrega uma cruz. Maior ou menor, sempre é a mesma cruz. As mesmas dores, as mesmas dúvidas, os mesmos problemas. Eu tenho todos esses problemas que todo mundo tem, Maria, e eu não sei o que fazer com isso. Eu não sei mesmo, Maria. Eu não sei.

Ninguém me conhece de verdade.

     Meu coração é tomado pela angústia sempre que não consigo me expressar completamente. Desconheço meios-termos e vivo entre razão e emoção extremos, extremos. Sinto tudo intensamente e sofro pelas menores coisas.

     
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     A vida segue em frente e sempre me deixa pra trás. Preciso correr pra que consiga acompanha-la. Cada novo erro traz consigo o peso dos erros anteriores, e tudo cai sobre meus ombros como um grande caminhão de batatas que se abre sobre mim. 
          
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     Contra todas as expectativas minhas, de meus pais e de profissionais, eu tenho amigos. Sem esforço, sem dramas. E, mesmo assim, a solidão está sempre à espreita, enganando meu coração e convencendo-me de que estarei sozinha para sempre.
     
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     É difícil fazer-se entendida quando tudo parece vazio, tudo parece distração, tudo parece vaidade, e as pessoas não se importem o bastante para que lhe escutem, reclamando às repetidas, e lhe respondam às repetidas. Metalinguagens e inversões sintáticas não escondem a corrente que lhe prende em um ciclo de mesmos erros que lhe aprisionam a alma.
     
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     Quem poderia me conhecer por baixo de todas as máscaras? Pessoa alguma poderia ousar dizer que nos conhece sob o suor de nosso rosto. As camadas da existência estão sempre sobrepostas e deformadas, como se a vida não passasse de uma obra cubista. Tomo minhas licenças poéticas porque elas também são máscaras para mim.
     
     Ninguém te conhece de verdade.
     Minha Vida é meu clichê particular. Todas as cenas de um musical trágico. Uma vida que anseia ser escrita, que se manifesta como urgência literária constante. Há sempre algo a ser escrito, a ser dito. Não devo estar dizendo alguma coisa. Devo estar dizendo demais e carecendo hoje de novas explicações as má-explicações do dia anterior. 
     
     E, por mais que eu escreva todas essas vezes em que a obsessão e o desespero batam, e os dedos 
comecem a tecer no ar aquilo que eu tenha a dizer, ninguém me conhecerá de verdade.
     
     Ninguém me conhece de verdade, mas eu me exponho como se fosse uma ostra sem pérola, em busca de alcançar algum valor perante uma sociedade ostraica que quebraria minha concha. E quebra, todos os dias. Não a concha que me liberta, mas a que me protege e que permite que, agarrada à um fio de sanidade, eu consiga dormir à noite.

À Fantasia


     Eu nem sequer havia notado que hoje também era à fantasia. Havia tanto tempo que eu ia trocando entre uma e outra, que todas aquelas peles que eu tentei assumir pareciam haver se tornado minhas de fato.
     
     Eram nove da tarde e eu já estava feliz e saltitante. Às vezes, um pouco ríspida e maledicente. Vez ou outra, doce e inocente. É engraçado como, apesar de inconscientemente agindo, eu sei dizer onde adquiri cada uma dessas facetas. Finjo-me de desentendida aos amigos quando me questionam, porém, é tão grande o medo de mostrar-lhes quem eu realmente sou. O curioso é que, no fundo, nenhuma fantasia realmente esconde quem somos, não por muito tempo, não como eu talvez gostaria. Saber quem são os que realmente me conhecem pode ser reconfortante, ocasionalmente, mas não muito. Tenho medo de que meu real ser os afaste. Amigos sempre me foram tão caros, tão caros. Não posso sair gastando-os como se fossem qualquer coisa que ganhei numa esquina. É necessário manter a cautela, claro.
     
     Essas pequenas mentiras que eu me conto, diariamente, para que possa enganar minha consciência mais tranquilamente, têm me sufocado. Tenho buscado algo que me convença de que não estou errada, mas tem sido uma busca infrutífera. A verdade é muito clara, não estou satisfeita com o que sou, ou com o que tenho sido. Tento fugir da minha integridade. Quero impressionar as pessoas ao meu redor – a maldita necessidade de atenção, sempre. Piada ou não, estou escrevendo e derramando meu mais íntimo sobre este teclado, totalmente ciente de que meus textos revelam mais sobre mim do que eu talvez saiba.  Releio-os constantemente para me atualizar de algumas situações internas que me passam despercebidas, entre meus pequenos disfarces do dia-a-dia. Estou triste. Estou discordando de muitas coisas. Estou desacreditada do futuro, e frustrada. Preciso ser mais positiva, mas de verdade. Infelizmente, só a máscara tem conseguido sorrir. Tentei viver de pequena alegria em pequena alegria, mas não funcionou. Alimentou a imagem. O fundo permanece vazio, tão vazio quanto tem estado desde que fui deixada sozinha pela primeira vez.
     
     O mais curioso talvez seja que nenhuma das fantasias que eu visto sequer se aproxima da pessoa que eu realmente gostaria de ser. Meiga, discreta, silenciosa, respeitável, bondosa, calma e compreensiva. Sou barulhenta e reclamona. Tento forçar uma personalidade conquistadora, mas ela é tão repulsiva quanto um rato de esgoto seria, caso eu o soltasse entre as pessoas de minha rotina. Às vezes, me pergunto se realmente ainda me lembro do que realmente sou, já que há tanto tenho me prendido àquilo que não sou. Toda essa bagunça, por tão óbvia, comum e compreensível, é extremamente doentia. Por que razão eu sou assim? Por que razão minha personalidade não é outra? E, o pior de tudo – por que não consigo abraçar minha verdadeira essência, melhorando-a, lapidando-a, ao invés de insistir em tentar ser o que penso que seria melhor?
     
     A pior das verdades é que eu não sei a resposta pra qualquer uma dessas questões. Nem sei se jamais as descobrirei. Mas o fato é que eu espero que encontra-las não importe para que eu mude. Para que eu pare de me importar com o que todas as vozes ao meu redor, e dentro de mim, me dizem. Sei que posso ser verdadeira, boa para outros, e para mim. Sei que posso acordar, sorrir ao me olhar no espelho, e continuar sorrindo conforme saia na rua, e veja pessoas mais bonitas ou legais que eu, sem que isso faça com que eu me sinta culpada. Diamantes podem se parecer com vidro quebrado, mas eu prefiro ser o mais valioso. E, no fundo, eu acredito que seja. Só preciso encontrar a garota perdida e desnorteada dentro de mim, clamando por liberdade.
     

Primeiro de Janeiro


     Existe uma sensação generalizada de depressão/animação – que chamarei de “Síndrome do Primeiro de Janeiro” –, carregada de falsos moralismos e vontades impossíveis, que costuma aparecer justamente no tal dia que a nomeia. Após uma noite consideravelmente divertida, alguma (ou muita) bagunça, e fogos de artifício, retornamos pra casa ao amanhecer, na esperança de dormir e magicamente acordar com uma vida totalmente nova.
     
     Meus Primeiros de Janeiro costumam ser psicologicamente deprimentes. Contra minha própria vontade (posso provar isso), começa a lotar minha mente de pensamentos aleatórios. Talvez fosse uma forma de evitar que considerasse demais sobre os erros que cometi. Nunca adiantou. Aumenta minha consciência de que o tempo está realmente passando. Já não sou mais criança. Estou morrendo.
     
     Em seis dias estou de volta à universidade. Passarei cinco desses dias cuidando de trabalhos. Além disso, ganhei peso nos últimos meses. E sinto que minha avó materna pode não passar desse ano. Farei 18 – e isso me deixa igualmente ansiosa e preocupada. A vida real, que desde 2011 vem me dando alguns tapas na cara, deixa bem claro que, a partir de agora, começará a me dar pontapés. 
     
     Apaixonada por números como sou, sempre fico deprimida ao saber que a contagem dos meses jamais ultrapassará o doze. Desse ponto de vista, sinto que, a cada novo ano, voltamos à estaca um. Uma progressão infinita. Assusta, um pouco. Sempre me assustou. Tenho medo de coisas sem fim. Daí começo a questionar os motivos de eu, finita, continuar vivendo nesta linha de tempo sem fim. Se, num minuto, me sinto no lugar certo, no seguinte já sinto que está tudo errado nessa vida. Coisa de adolescente mesmo. 
     
     Já chegou o momento em que nada mais faz sentido. Esqueci-me do dia da semana em que estou. Principalmente nesse calor. É aquele limbo do quase sono. Tiro minha primeira soneca do ano. Tenho odiado dormir ultimamente. Acordo como houvesse passado toda uma noite lutando. Lutando contra o quê? Não tenho inimigos. Só minha própria consciência. Inimiga o suficiente.
     
     Li tantos livros essa semana, quero mais. Pra ver se descanso minha mente de tantos pensamentos confusos. Tenho pensado muito sobre coisas que jamais ocorrerão, nesse e em qualquer outro ano. Pensava que, a essa altura, já estaria melhor. Seria melhor. Mas isso me faz pensar no passado. Não quero. Porém, ainda me sinto patética. Engraçado, achei que já estaria dormindo. Não estava no limbo? Acho que o próprio calor me acordou.
     
     Ano Novo, e não choveu. Ainda estou pensando no que isso pode significar.
     
     Aqui vamos nós de novo. Página 1 de 365. Lembro-me de 2012 como se fosse ontem. Não janto desde o ano passado. Não vejo meus amigos desde o ano passado. 2013, surpreenda-me. Feliz Ano Novo. Feliz Hoje. Feliz. Feliz.
     
     I’m just skin and bones.

Não gosto de andar de ônibus

      Fui uma daquelas meninas mimadas que eram carregadas de carro pelos pais pra cima e pra baixo até os doze apenas. Aos onze comecei a me aventurar a pegar ônibus sem uma tia ou prima por perto – só aos treze que mamãe deixou que eu começasse a andar sozinha por mais que quatro ou cinco quarteirões. Lembro-me de, na oitava série, aos treze, ir e voltar do colégio utilizando transporte público. Aquilo, pra mim, era um sinal de maturidade. Eu estava crescendo.
    
      Hoje, cerca de quatro anos depois, já saí do ensino regular e entrei na universidade. Uma das entradas para o campus da UFU – por sorte, o mais próximo dos blocos em que tenho aulas – fica a cerca de dezoito quarteirões da casa em que moro, na mesma avenida até. São apenas três ou quatro paradas do ônibus, sem muitos esforços.
    
      Apesar de mamãe me levar na maioria das vezes (quase dezoito anos na cara e ela ainda sente pena de mim ao pensar que estou andando sob o Sol), sempre que não estou atrasada – raras situações – e ela está ocupada o suficiente para me deixar ir sozinha, eu opto por descer a pé a avenida. Fico alternando entre as calçadas, me descabelo completamente e acabo com aquele cheiro de vento de cidade. A volta é uma subida consideravelmente mais pesada (e geralmente já estou mais cansada do que gostaria, nessas horas de retornar), mas, ainda assim, gosto do trajeto.
   
      No ônibus, as pessoas me observam o tempo inteiro. Puxam assunto. Questionam a música que escuto. Julgam-me louca se falo comigo mesma. Ali não posso cantar, não posso dançar – sim, eu danço no meio da rua. A velocidade é, pra mim, o único atrativo do transporte público.
    
      Existe algo maravilhoso sobre andar, sozinha. Descobri isso em uma ocasião em que calculei incorretamente meu dinheiro e, entre muitas impressões de trabalhos da escola, não havia sobrado o suficiente para pegar um ônibus. Estava no Terminal Central, a uma distância considerável da minha casa – cerca de quatro quilômetros. Não vou mentir, havia vários meios de conseguir uma carona de volta. Mas, no fundo, eu não queria. Queria descobrir o que aquela distância representava.
    
      Foram cinquenta minutos interessantíssimos. Cantei, conversei com meus amigos imaginários, criei infinitos diálogos que jamais ocorreriam, fui educada e sorri aos vários estranhos que passaram por mim, e pensei tanto na minha vida que nem consegui me lembrar depois das decisões que tomei. Ao chegar a casa, meus músculos se contraíam involuntariamente, e eu sentia muita fome – um senhor muito gentil deixou que eu levasse uma garrafa d’água por metade do preço, na metade do caminho.    
    
      Na semana seguinte, mesmo tendo dinheiro suficiente para ir e voltar várias vezes, escolhi repetir a experiência. Igualmente interessante. Tenho alguns flashes de lembrança mais nítidos.
    
      Semana passada, em um dia em que seria totalmente desnecessário e imprudente ir à UFU, insisti em fazer o caminho. A ameaça de chuva não me assustava. De fato, na metade do caminho, ela começou a cair. Valeu a pena, de uma forma ou outra. É uma forma de estar comigo mesma, e só. Estou sempre tão cercada de gente – em casa, na faculdade, na cidade. É bom aproveitar esses nichos de solidão.
    
      Ano que vem completo os tais dezoito e, alguns meses depois, espero já estar com minha habilitação e meu carro. Em breve me mudo pra uma casa vinte quarteirões mais distante da UFU que a em que moro atualmente. As coisas certamente mudarão, no que concerne esse trajeto até a universidade.
    
      Mas há tantos outros caminhos a se descobrir.

Coração de Papel.


“Você me entregou um coração de papel.
        
Era um pequeno origami, feito a partir de uma folha de caderno pintada a lápis de cor vermelho. Alguns vincos se destacavam nas suas superfícies, como se as dobraduras houvessem sido erroneamente feitas várias vezes, antes que a forma final fosse alcançada. Chegou num dia qualquer, pelo correio, em uma caixa amarela comum. Nenhum bilhete, nenhuma plaquinha, nem mesmo o nome seu escrito em grafite acinzentado em uma das faces mal coloridas. Mas eu sabia a quem pertencia. Sabia que era seu. Tinha aquele seu cheiro que eu nunca havia sentido.
        
Por muito tempo eu pensei que ele fosse uma piada, ou até mesmo alguma forma de me mandar uma mensagem subliminar. Talvez você não me amasse tanto assim, ou tivesse medo de entregar-se por completo. Talvez você houvesse produzido várias cópias desse coração, para distribui-lo entre as muitas pessoas inocentes que passassem pela sua vida, e não lhe conquistassem a cordialidade mais profunda. 
       
Era engraçado carrega-lo por aí. Enquanto usei-o pendurado na minha mochila, exibindo-o a todos, escutei as mais diversas teorias e opiniões. Você bem entende como eu não realmente sabia o que significava, pra você, o tal do coração de papel, mas era tudo que eu podia ter vindo da vossa pessoa. Protegia-o quando muito chovia, e a água ameaçava sua integridade, e o tomava nas mãos quando o espaço era muito apertado para que sua forma não se desmontasse. Guardava-o numa caixinha sobre minha mesa de estudos quando não estava fora. Gostava de mantê-lo sempre perto de mim. Mesmo que fosse tão frágil, de papel.
       
Só entendi que era real quando você o pediu de volta.
       
As circunstâncias já me indicavam que as coisas entre nós não eram mais as mesmas, mas nunca pensei que teria que lhe entregar aquele coração. Era tão feio, mal feito… Tão meu. Tão meu havia se tornado, que quase amava mais àquele amontoado de dobraduras do que a ti. Não sei se você ainda se lembra, mas quando foi à minha casa, coloquei-o em suas mãos dentro da caixinha de vidro. Tinha medo que você o estragasse.
      
Mal sabia eu que eu o estragava, a cada dia.
       
Toda a sua fragilidade, sua simplicidade, sua delicadeza e suas peculiaridades se refletiam naquele papel mal colorido. Era parte de ti. Eu o isolei de sua fonte de vida, e não percebi que seu brilho se apagava, sua força morria, seu pulsar desaparecia. Sua essência morria. Ambos morriam.
       
Quando virou as costas para mim, lágrimas pesadas rolaram pelo meu rosto. Tanto tempo tentando cuidar de um coração de papel, que eu julgava ser uma piada tua. Que fosse ser pra sempre meu.
       
Sempre sentirei falta do coração.
             
        
Sempre sentirei sua falta.”

O Frio, a Chuva e eu.


Rain falls

Acordei mais cedo que queria. Meus olhos estavam pesados e meu corpo doía. Sentia que várias horas do meu sono me haviam sido roubadas. No entanto, bastou um suspiro fundo para perceber que, após tantos dias mergulhados em um calor infernal, chovia, e ventos frios sopravam.
     
Nem mesmo calcei sapatos. Levantei-me da forma que estava, pisando no chão frio, com meu pijama de dias quentes, e abri a janela da sala. Algumas gotas de água gelada pingaram no meu rosto, antes que eu fechasse o vidro e me apoiasse na parede. Fiquei observando a chuva caindo por bastante tempo. Vez ou outra bocejava, pois o sono insistia em me assombrar, e em alguns momentos eu parecia me desligar da realidade por poucos segundos, como se o cansaço me cobrasse a noite mal dormida a prestações. 
      
Apesar de tudo, não planejava ser vencida pelo esgotamento. Estava frio, e assim meu coração se aquecia.
      
Nunca fez muito sentido que, quando as temperaturas da cidade baixavam, meu ser acordasse e desabrochasse. No entanto, a sensação de ser abraçada pelo mundo independia de razão. Era como se a vida me tomasse nos braços e cuidasse das minhas feridas de guerra, usando a chuva para lavá-las do sangue e da terra. Era uma purificação.
      
Sentia como se pudesse finalmente chorar todas as lágrimas que o calor havia feito evaporar do meu coração. Estava angustiada, então as coloquei pra fora e era como se o peso do suor fosse retirado de mim. Minha postura, tão recurvada, foi se endireitando lentamente, até que eu consegui dar um sorriso mui sincero, como não havia conseguido sorrir nas últimas semanas.
      
Observei o cair da chuva por ainda algum tempo, refletindo sobre esse ciclo da minha existência que estava se reiniciando. De frio em frio, de chuva em chuva, seria sempre assim.
      
Voltei para a cama e deitei para dormir em paz, com o tintilar das gotas d’água na janela e no asfalto antes tão quente me embalando. O vento gelado que passava pelas frestas da janela do meu quarto fechou meus olhos.
[Não vá embora, frio ♥]