Eu, um Estereótipo.

        Eu consumo ficção loucamente desde que me entendo por gente. Livros, filmes, desenhos animados. Boa parte da minha visão de mundo, por muitos anos, foi moldada por histórias e personagens da ficção. Meu pai sempre me disse que isso me dava uma visão distorcida da realidade, e, por mais que eu negasse, o fato era que eu amava minha visão distorcida da realidade.
    
     Eu sempre fui uma menina com dificuldades razoáveis pra me encaixar nos lugares e me sentir confortável em meio aos outros. A ficção era a realidade na qual pessoas como eu tinham superpoderes secretos, lutavam contra o crime, salvavam toda a dimensão mágica e ainda voltavam pra escola a tempo de serem zoadas pelos colegas de turma mais uma vez. Os livros e desenhos animados eram cheios de personagens que tinham as mesmas dúvidas e questionamentos que eu, e se sentiam como eu. Então, a decisão mais óbvia diante de mim era que a maneira certa de viver era como eles! Se, nos quadrinhos, as meninas esquisitas sempre achavam um amor no fim do corredor, talvez, se eu agisse totalmente como elas, uma hora, eu encontrasse também.
    
     Isso, obviamente, foi a maior armadilha na qual eu me coloquei na vida. Quando eu comecei a viver desenhando minha história como um roteiro de filme, eu vendi minha identidade pra uma lista de coisas que meu personagem poderia ou não, deveria ou não fazer. Eu assumi vários papéis ao longo dos anos, mas nenhum foi tão decepcionante quanto o da clássica heroína romântica indie.
    
     Batizada de “manic pixie dream girl”, essas personagens são moças de personalidade viva, cheia de manias engraçadas, truques bizarros escondidos na manga, gostos peculiares, encantadoras e sempre dispostas a tirar um homem brilhante da depressão e ensiná-lo a viver como se deve. Era o papel perfeito pro meu coração carente, era a promessa do amor no fim do arco-íris! Ser uma Zooey Deschanel, uma Kirsten Dunst. A Bela de uma Fera – totalmente eu, mas totalmente amável (o que eu nunca tinha sido, diga-se de passagem).

     O fim de todas as minhas histórias foi decepção. Decepção de todo mundo que age como e espera dos outros uma atitude de personagem, ensaiada e exata. Eu fui temporariamente a garota dos sonhos de alguns rapazes, mas o complexo de musa só dura enquanto você é exatamente aquilo que se imagina. E ninguém é tão bom ator que consiga fingir o tempo todo. Viver de aparências gera o espanto de quando caem as máscaras e nós descobrimos pessoas bem menos que perfeitas por trás delas. A Manic Pixie Dream Girl não tinha sentimentos próprios, nunca se chateava, irritava, mudava de ideia, e eu me odiava sempre que fazia isso. Eu odiava ser eu, por isso eu tentava ser ela. Mas ela não era real. E os papéis que eu inventava pros outros também não.

     Eu descobri a vida de verdade quando parei de negar a realidade – a minha, e a das pessoas. Ninguém é um roteiro ensaiado, ninguém é uma coisa só na vida. Ninguém é a garota de cabelo colorido que coleciona broches antigos o tempo todo, nem o herói indie depressivo e brilhante que vai amar suas músicas favoritas. As pessoas engraçadas choram, as pessoas empolgadas desanimam. Ninguém é o que 2 horas de filme podem mostrar. Nós somos cada um como um jardim, e todo jardim tem espinhos, e é assim que a vida é mesmo. Não precisa fingir que eles não existem, como se te tornassem uma pessoa menos admirável. Todo mundo tem seus prós e contras, e nenhuma solidão é pra sempre. O mundo é enorme demais pra isso.

     Hoje, eu tô me esforçando ainda pra aprender a ser eu de verdade. E, acontece, eu sou bem chata, falo demais, rio alto, tenho preguiças, me chateio com várias coisas, sofro por antecipação, e sinto demais, demais, todas as coisas, eu sou um furacão de sentimentos (e às vezes levo as pessoas ao meu redor juntas no tornado). A vida, aos poucos, vai me mudando, melhorando e moldando, mas a única forma na qual eu aceito ser colocada é na melhor versão de mim, desenhada pelo meu Criador. Nunca poderei oferecer perfeição às pessoas, nem esperar o mesmo delas. E a vida é linda por isso.

    

"30 de 22", ou "Por que não estou mais decepcionada comigo mesma"

     Há exatamente 4 anos, eu publiquei neste blog um grande desabafo sobre a minha vida, intitulado 30 de 18, ou “Por que estou decepcionada comigo mesma”. Um mês depois de completar 18 anos, eu coloquei um espelho diante de mim e não enxerguei nada além de coisas que me frustravam, decepcionavam, chateavam. Naquele dia, eu odiei ser eu, não pelo que eu era, mas pelo que eu estava me tornando. No dia seguinte, um vídeo também (pode assistir também).

     Depois daquele 28 de Março de 2013, eu ainda me frustrei muito. Poucas semanas depois, tive uma grande frustração amorosa. Ainda tive outras, meses, anos depois. Tive muitos altos e baixos nas expectativas profissionais. Fiquei obcecada por dezenas de coisas diferentes, de ideologias políticas a séries de TV. Coloquei minha identidade em todas elas, e descobri que não me encaixava em nenhuma. Engordei, emagreci, engordei mais, emagreci de novo, e agora não sei bem. Pintei mil quadros e escrevi dois mil textos, tentando me expressar. Mudei de país, vivi vários sonhos, e voltei pra casa com o gosto amargo de quem descobre que lutou por algo que nem era tão importante assim. Eu vi meu castelinho de areia da vida desabar. E uma das minhas avós faleceu também.

     Passado esse tempo, ainda curto, mas significativo, eu coloco diante de mim, aos 22, o mesmo espelho dos 18. É curioso observar que várias das feridas, mesmo cicatrizadas, ainda doem, como se pudessem se abrir a qualquer momento. Acontece que, essencialmente, este espelho reflete as mesmas coisas que refletia há quatro anos. Minha vida ainda parece um retumbante fracasso, diante das expectativas que eu cultivava sobre mim mesma. A grande diferença hoje é que eu resolvi trocar de espelho.

     Aqueles fracassos não me assustam mais, porque aquelas expectativas não importam. A Luisa de 18 queria ser dona do próprio destino, e se esqueceu que, logo quando nasceu, sua vida foi consagrada ao próprio Autor da Vida. Eu achava que as coisas mais importantes que eu faria na vida viriam antes dos 18, sendo que existe muito mais pra ser vivido. Eu me esforçava pra ser reconhecida pelos homens pelo que eu fazia, como uma extensão do que eu era, mas não percebia que isso me fazia morrer.

     Eu sou feliz hoje. Não como quem acha que já fez o bastante, mas como quem sabe que tá a caminho, no Caminho certo. Eu olho ao meu redor e vejo que, em todo esse fracasso aparente, tem sido gerada uma vida que tem significado. O maior projeto da minha vida não é cumprir meus planos, mas completar a carreira exata para a qual eu fui criada. Se os propósitos se cumprem hoje ou daqui a 25 anos, não importa. E não é que eu não tenha dias frustrados, tristes, ou desanimadores – a vida continua sendo vida. Mas, quando parece que eu vou cair, eu descubro que existe uma segurança maior, como uma rede de proteção me protegendo do abismo.

     A maior frustração que eu experimentei na minha vida foi descobrir que toda a minha racionalidade não era suficiente pra conter a tempestade de sentimentos dentro de mim. Mas a resposta disso foi a Voz que acalmou os mares sussurrando paz à minha alma. A Paz que transcende todo entendimento é sentar-se no barco dentro do mar agitado e ter a certeza de que, qualquer que seja o fim da história, eu confio o bastante nas mãos que estão escrevendo, mãos furadas na Cruz, que também seguram o universo e também meu coração. Agora, me parece que tem um tornado vindo, mas tá tudo bem. Se eu e o barco afundarmos, no final, eu também sei pra onde vou. Dá pra ficar decepcionada, assim?

Ninguém me conhece de verdade.

     Meu coração é tomado pela angústia sempre que não consigo me expressar completamente. Desconheço meios-termos e vivo entre razão e emoção extremos, extremos. Sinto tudo intensamente e sofro pelas menores coisas.

     
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     A vida segue em frente e sempre me deixa pra trás. Preciso correr pra que consiga acompanha-la. Cada novo erro traz consigo o peso dos erros anteriores, e tudo cai sobre meus ombros como um grande caminhão de batatas que se abre sobre mim. 
          
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     Contra todas as expectativas minhas, de meus pais e de profissionais, eu tenho amigos. Sem esforço, sem dramas. E, mesmo assim, a solidão está sempre à espreita, enganando meu coração e convencendo-me de que estarei sozinha para sempre.
     
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     É difícil fazer-se entendida quando tudo parece vazio, tudo parece distração, tudo parece vaidade, e as pessoas não se importem o bastante para que lhe escutem, reclamando às repetidas, e lhe respondam às repetidas. Metalinguagens e inversões sintáticas não escondem a corrente que lhe prende em um ciclo de mesmos erros que lhe aprisionam a alma.
     
     Ninguém me conhece de verdade.
     
     Quem poderia me conhecer por baixo de todas as máscaras? Pessoa alguma poderia ousar dizer que nos conhece sob o suor de nosso rosto. As camadas da existência estão sempre sobrepostas e deformadas, como se a vida não passasse de uma obra cubista. Tomo minhas licenças poéticas porque elas também são máscaras para mim.
     
     Ninguém te conhece de verdade.
     Minha Vida é meu clichê particular. Todas as cenas de um musical trágico. Uma vida que anseia ser escrita, que se manifesta como urgência literária constante. Há sempre algo a ser escrito, a ser dito. Não devo estar dizendo alguma coisa. Devo estar dizendo demais e carecendo hoje de novas explicações as má-explicações do dia anterior. 
     
     E, por mais que eu escreva todas essas vezes em que a obsessão e o desespero batam, e os dedos 
comecem a tecer no ar aquilo que eu tenha a dizer, ninguém me conhecerá de verdade.
     
     Ninguém me conhece de verdade, mas eu me exponho como se fosse uma ostra sem pérola, em busca de alcançar algum valor perante uma sociedade ostraica que quebraria minha concha. E quebra, todos os dias. Não a concha que me liberta, mas a que me protege e que permite que, agarrada à um fio de sanidade, eu consiga dormir à noite.

"30 de 18", ou "Por que estou decepcionada comigo mesma"

     Na próxima segunda-feira, dia 1 de Abril de 2013, completam-se 30 dias desde que eu fiz 18 anos. Essa idade mítica, que nos retira bruscamente da infância e nos joga oficialmente pra fase adulta, pertence a mim há um mês comercial. A maioria aguarda ansiosamente pela data; eu oscilei ao longo dos últimos meses. Sinto uma imensa falta de ser criança.

     Como era adiantada no colégio, vivia sob a pressão de “amigos” tratando-me negativamente por “ser criança”, e cobrando de mim comportamentos que não pertenciam a minha idade (e nem à deles). Minha necessidade de estar sempre de acordo com todas as opiniões que as pessoas emitiam acerca do que eu era vs. o que eu devia ser fez com que eu estivesse sempre tentando me adequar à qualquer coisa que parecesse mais legal do que aquilo que eu era. Ironicamente, as pessoas sempre me rejeitaram, mais do que gostaram de mim.

     Aos 2 anos, eu já sabia ler e escrever; escrevia pequenas histórias sobre princesas que salvavam seus príncipes, e as ilustrava com garotinhas de vestido cor de rosa. Meu pai trabalhava com moda, e eu possuía minha própria grife imaginária. Comecei a ler sobre Matemática e Lógica aos sete anos; estudei a Relatividade Especial, pela primeira vez, aos dez. Escutei, desde pequena, que eu poderia ser qualquer coisa que eu quisesse. Que meu futuro seria brilhante; antes dos 18, eu teria alcançado coisas que muitos adultos jamais sonhariam em alcançar. Eu era uma criança prodígio, como diziam. Poderia falar cerca de 5 línguas, poderia ter adiantado mais anos no colégio, poderia ter publicado livros…

     Bem, aqui estou eu, aos 18. Nada disso ocorreu.

     Entrei na universidade aos 16, mas, isso, por si só, não é grande coisa. Permiti que o mundo ao meu redor me freasse, me dissesse que crianças não devem se importar com as coisas que eu amava; permiti-me acreditar que estava numa idade em que nada realmente acontecia, e que a chave era ir em busca da futilidade adolescente das revistas. A culpa não era bem dos outros – cada um exprimia as ideias e valores que lhe eram convenientes. O erro foi meu, ao aceitar, na minha vida, esse desespero por aceitação.

     Desde que me comprometi, em 2011, a postar, neste blog, os textos que escrevia, sempre senti uma vontade muito grande de poder falar sobre minhas frustrações; demorei a fazê-lo por medo da opinião dos outros. Essa vida online que levamos é extremamente medíocre; essa mania de criticar tudo aquilo que o outro faz, apenas pela diversão de vê-los mal, é algo que eu nunca entenderei. Neste momento, publicando este desabafo, estou ciente de que serei julgada, da mesma forma que fui na infância, quando mudei de colégio, e quando entrei na faculdade. Mas a verdade é que ninguém tem nada a ver com isso. Não devemos nos tornar arrogantes e estúpidos apenas pela autenticidade – a boa convivência deve ser priorizada –, mas não faz sentido preocupar-se tanto com o que todos dizem. Às vezes nossos amigos mais próximos nem sempre sabem lidar com nossas ações, por conta dos próprios (pré)conceitos que carregam.

     Hoje, quando me encaro no espelho, vejo apenas coisas que me chateiam – física, emocional e intelectualmente. Mas, talvez, o pior de tudo, seja que eu insista em querer adequar-me à ideia que os outros fazem do que eu deveria ser; mais magra, mais estável, menos frustrada, de cabelo mais comprido, usando roupas diferentes, lendo livros diferentes, falando sobre assuntos que interessam aos outros, e não a mim. De certa forma, é isso que mais me frustra. Entre tudo de bom que já aprendi com as outras pessoas, foram tantas coisas ruins que eu aceitei. A escolha sempre é nossa; a escolha sempre foi minha.  

     Mas não é isso que importa agora. Importa agora que eu queria poder voltar à minha infância, à infância de verdade; não para brincar mais, ou pela alegria de não precisar passar noites em claro projetando, mas para fazer o que eu realmente desejava, o que realmente pulsava no meu coração. As potências não duraram para sempre, como eu sempre pensei que durariam.

     Porém, de nada adianta choramingar agora, já que o tempo não volta, e tudo aquilo que eu poderia ter feito/sido/aprendido antes, será. Convém que eu passe adiante o que a vida me ensinou. Por mais que eu deseje poder voltar, não voltarei; só seguirei em frente agora. Minhas avós morrerão, meus tios e tias morrerão, meus pais morrerão também; um dia, eu também vou morrer. E eu espero muito não ter que, ao 40, aos 60, e aos 80, não sentir a mesma decepção que sinto neste momento.

     Eu espero que eu consiga vencer essa força do Tempo que me faz querer, cada vez menos, mudar alguma coisa nesse mundo.

  (E, aos amigos que certamente pensam em chamar-me, em privado, para censurar meu comportamento por pensarem que me expus demais/fui muito pedante/fui muito orgulhosa/sou muito bobinha: hoje, não).