Sabor de Doces e Praia (tradução, original Seo Yunhu)

Escrito por Seo Yunhu (서윤후), publicado em 2016 na coletânea 어느 누구의 모든 동생 (Todos os irmãos mais novos de uma certa pessoa). Poema original disponível no link.

See also: English translation.

Sabor de Doces e Praia (사탕과 해변의 맛)

Seo Yunhu

Das coisas todas descartadas nessa praia, eu era a mais útil
Assumindo o lugar do que foi perdido por quem foi abandonado
Nesse mundo em que se coleta quem foi abandonado
Onde poderia ter sido a nossa capital?
Um palmo de parassois faz sombra e todos nós,
Como achados e perdidos que foram deixados pra trás,
Viramos atração para quem passa

*

São a sobremesa das ondas, os amantes sentados em roda, derretendo como um doce cujo sabor é o único que se conhece,
São lambidos pelas ondas oscilantes
O amor vai perdendo a forma, escorrendo pela ponta dos dedos dos pés, os amantes
Que diziam excessivamente que amavam, são ciumentos beligerantes, e só então o mundo parece se tornar um lugar doce e brando

*

Eu gosto desse lugar que se chama praia

Detesto me banhar nas águas mas as palavras que secam ao sol se demoram, como os doces que se guarda pra depois, para comer mais tarde

*

Dos doces todos que eu já provei na vida, você teve o pior gosto
A metáfora que descreve as coisas que são como você fica
Nos cristais entre o sal e o açúcar

*

Pegajoso por causa do que você disse,
Brincando com as feridas no céu da minha boca com a língua, eu senti o gosto do sangue e senti que era doce, uma doçura desconhecida, que se esvai de pouco em pouco

*

O mundo inundado pelo mar
E você não era nada mais
Do que um pé de pato

*

Tem uma praia na borda das minhas mangas
Nessa praia onde doces flutuam até que derretam completamente,
Encharcados por águas estabanadas, que molham o rosto e enxugam lágrimas,
Eu aprendo a nadar sem me secar

Com toda a minha força

The Taste of Candy and the Seashore (translation, original poem by Seo Yunhu)

Written by Seo Yunhu (서윤후), published in 2016, part of the collection 어느 누구의 모든 동생 (All the younger brothers of someone). Original poem available here..

Veja também: tradução em Português.

The Taste of Candy and the Seashore(사탕과 해변의 맛)

Seo Yunhu

Of all the castoffs dumped at the seashore, I was the most useful one
Filling in for what abandoned people have lost
In a world where abandoned people get picked up
Where would our capital city have been? 
Under the shade of a handspan of parasols, all of us
Left behind for good in the lost-and-found,
Become a piece for sightseeing.

    *

They are like dessert for the ocean waves, the lovers sitting in circles, melting like candy of the only flavour they know
The undulating waves lick them apart
Oh, love that melts away, from the tip of the toes, until it loses shape 
They said “I love you” too much, the lovers who are belligerently jealous, and the world seems sweet and mellow at last

    *

I like to call it “the seashore”
I hate getting drenched in the seawater but the words washed up on the shore are like the candy that one sets aside, to enjoy later 

    *

Of all the candy I have ever tasted, you were the worst one 

The metaphor for something akin to you in
The crystals between the sugar and the salt

    *

Made sticky by your words,
Playing with the wounds in my mouth, with my tongue I tasted the blood and I thought it tasted sweet, an unknown sweetness, slowly waning 

    *

A world inundated by the sea 
But you weren’t much
More than a swimfin

    *

At the edge of my sleeves, there is a shore
Where candy, drenched in clumsy face washes and wiped up tears,
Floats around until it melts away, where
I learn swimming that never dries up

With every ounce of strength I have 

Todas as luzes desta rua me lembram você

Todas as luzes desta rua
Me recordam você.

No jeito de estar, pulsando, imóveis,
No alto dos prédios, na beirada dos postes,
Onde os olhos veem mas as mãos não alcançam;
Para onde eu olho, pra esquecer as coisas más.

E me encantam assim, dessa forma:
Quando piscam, quando apagam,
Quando vêm e vão, no farol dos carros,
Ou na decoração especial do Natal.

E eu passo dançando em silêncio por elas,
Como se você estivesse em cada uma delas;
E o meu corpo se lembra do brilho das luzes
Que embalaram eu e você, quando havia eu e você.

“Que bonito é,” eu canto, “que bonito é”
Te lembrar sob a luz, com amor e saudade.

O tempo passou, e tanta coisa se apagou,
Mas suas luzes ainda povoam minha memória;
Insistentes e intrigantes, como o neon dos letreiros,
E as janelas acesas de madrugada.

O tempo passou, e tanta coisa se apagou,
Mas você ainda é brilhante como uma luz
Que me alegra e me afeta, mesmo de longe,
Onde meus olhos veem, mas minhas mãos não alcançam.

E continue brilhando assim, em todas as suas cores,
Do outro lado da cidade, ou do oceano,
Mas, por favor, como as luzes de Natal desta rua,
Volte uma vez por ano pra me visitar.

Pois eu gosto muito de todas estas luzes,
Mas gosto mais de você do que delas.


Escrevi este poema em 2014, pra um coletivo de poesia do qual eu participava [você pode ler a versão original aqui]. Depois, o reescrevi em 2017. Reescrevo hoje de novo. Sempre foi pra alguém, mas hoje não é pra ninguém, só pela poesia – pela saudade de escrever, e pela saudade de sentir algumas coisas que me fizeram escrever.

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Mixtape #92 – As canções que sussurro quando todo mundo vai embora.

mixtape #92

Essas são as canções que sussurro quando todo mundo vai embora,
Quando todos os doces perdem o gosto,
E todos os risos perdem as graças,
E todos os rostos perdem as fuças,
E todos os lábios estão em silêncio.

Esse limbo é temporário, e funciona só dentro da cabeça,
Porque, na vida de fora, os sons nunca param, os sons
nunca, nunca se calam;
Mas se você ficar calado por tempo bastante,
Pode ouvir alguém gritando em outra cidade,
Ou em um mundo paralelo, numa outra dimensão imaginária.

Eu costumava ter mais critério pra escolher
O que tocava, mas acho muito imbecil escolher demais
Quando você solta o play, e a próxima canção pode ser uma surpresa,
Algo que você nunca ouviu, um som diferente
Que você nunca sentiu.

Um som diferente, de quando todo mundo vai embora,
Quando todos os doces perdem o gosto,
E todos os risos perdem as graças,
E todos os rostos perdem as fuças,
E todos os lábios estão, enfim, em silêncio.

Esse limbo é temporário, e funciona só dentro da cabeça.
Solte o play, a próxima canção é uma surpresa;
Algo que você já ouviu, mas parece um som diferente,
Porque isso que você sente agora, é um sentimento diferente,
Que você nunca sentiu.

Se você ficar calado por tempo suficiente,
Pode ouvir a voz do fundo da sua consciência,
Gritando por socorro, ou respirando aliviada,
Sussurrando uma das canções que tocam
Enquanto seu subconsciente te assovia.

Esse limbo é temporário (…)

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o som que a estrela faz

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      Eu comecei a escrever pra ser dona de histórias. Eu gostava de ler histórias, gostava de ouvir histórias, mas queria ser dona delas também. Comecei com histórias de princesas, nas quais a princesa se parecia comigo, porque eu queria um final feliz pra mim. Pouco tempo depois, viramos super-heroínas, e havia muito cor-de-rosa. Então, eu descobri um universo completamente novo, e escrevi dúzias de contos sobre marionetes, gatos pretos, e meninas que eram atropeladas durante surtos esquizofrênicos. Logo depois, eu descobri a poesia.

      A poesia tirou o foco daquilo que eu projetava em personagens, e jogou sobre mim. Foi a primeira vez em que eu vi como meus contos se pareciam muito com os desabafos que eu escrevia noite e dia em dezenas de caderninhos e diários. Eu me virei do avesso em dezenas de versos, até que me embaralhei toda em mim mesma, entre amores, desamores, e algumas dores. Escrevi sobre tantas coisas e pessoas que precisei dar um tempo, pra tentar me recuperar. Não voltei pra poesia, ainda.

      Não sei bem porque eu escrevo, hoje em dia. Pra compartilhar, representar, apresentar? Eu gosto de fazer bem aos outros com o que eu escrevo, e eu acredito que eu possa curar, transformar, revirar o mundo, com palavras. Mas existe um sentimento específico, que floresce quando eu estou diante de uma folha em branco, que eu não consigo superar.

      Uma vez, eu li que escrever era uma forma aceitável de se desnudar em público, e, exatamente como a pessoa que se desnuda, quando eu escrevo, quero chamar atenção pra alguma coisa. Sem pudor, assim como uma pessoa que se desnuda, eu tento chamar atenção pras coisas que ficam encobertas – em mim, e nos outros também, mas principalmente em mim. Talvez porque eu seja chata demais, na maior parte do tempo, mas, quando eu escrevo, às vezes fico até emocionada com as coisas bonitas que consigo fazer aparecer. Algumas são menos bonitas, mas são muito mais profundas que eu achava que eu era, e é sempre uma surpresa nova, uma face nova da Graça que é revelada, e me deixa um tanto feliz por existir e ser exatamente quem eu sou.

      Então, toda vez que eu escrevo algo, e compartilho com o mundo – mesmo aquilo que vem com lágrimas e um gosto amargo na boca – , é como se eu entregasse as pedrinhas preciosas que encontrei dentro de mim, coisas de valor, que eu não quis deixar guardadas. Coisas que me deixaram feliz. Mesmo que às vezes algo que me pareça um diamante te pareça um caco de vidro, ou um pedacinho quebrado de espelho. Acho que, se você puder ver seu reflexo neles, eu já vou ficar muito feliz. Nós somos todos como bordados complicados demais, mas que parecem muito simples quando são vistos do outro lado. Depende mesmo do seu ponto de vista.

      Abri uma página em branco hoje porque queria escrever sobre essa frase que vinha martelando há alguns dias – “Qual é o som que a estrela faz?”. Sinto muito pela decepção, mas eu ainda não faço ideia. Quando eu souber o que dizer sobre isso, escrevo uma continuação, mas pode demorar um pouco – em 23 anos de vida, eu infelizmente ainda não encontrei nenhuma estrela dentro de mim.

     [06/06/2019 – hey, eu descobri qual o som que a estrela faz.]

Senti falta da Poesia.

Senti falta da Poesia
Como quem sente
Falta de um dedo necrosando;
Meio morto, meio frio,
Impossível de usar, impossível de sentir,
Mas sempre ali, sempre aqui.
    
Senti falta da Poesia
Como uma Pequena Sereia sentiu
Falta da voz que negociou para ter pernas
E andar em paz entre os homens
(Que decisão idiota).
    
É complicada, essa tal de Poesia;
Às vezes, parece charme, mas é só tristeza;
Às vezes, parece tristeza, mas são só espasmos,
E, só de escrever, parece que sente
Mais, e enxerga melhor,
Sente até o cheiro do jardim que não plantou.
     
É complicada, essa tal de Poesia,
Porque as palavras bem jogadas
Jogam fácil conosco.
    
Mas, ainda assim,
Senti falta da Poesia.
Senti falta, porque preciso do dedo, preciso da voz;
Eles são parte de mim.
    
E sou eu mesma todo o clichê das almas poéticas,
Se desfazendo e fazendo em verso, rima e estrofe;
Sou uma Poesia em forma de Filha,
E meu Pai é a Palavra.
    

Eu perdi meu Romantismo em algum ponto da estrada (Constatação)

Eu perdi meu Romantismo em algum ponto da estrada –
E nem andei mais que dez milhas, ainda, da jornada.
Não sei em que bolso guardei, não sei de que bolso caiu –
Ninguém que andava comigo se recorda se viu.
      
Já voltei mais umas milhas e ainda não achei;
Que lamento, fui provar do mel e logo enjoei.
Era muito açúcar pra que eu conseguisse digerir –
Seria o Romantismo tolerância pra engolir?
      
E o Amor não é mais fogo que arde sem se ver.
De tudo que me resta, só secura e sofrer;  
A razão é que sobrou só a Razão acumulada –
Eu perdi meu Romantismo em algum ponto da estrada.
      

[Ou, quem sabe, de romântica, eu não tenha tido nada.]
   
   

Funeral

Não há lamento por quem já vai tarde, além das horas marcadas para que permanecesse aqui
Ainda que por você eu me permita chorar um verso, ou dois,
Colocados numa estrofe bem escrita, bem completada, bem acertada
No meio dessa sua testa suada, escorrendo dos seus hormônios e venenos,
Queimada nas cinzas do meu último cigarro.
   
Hoje, pra mim, você morre; e morrem os poemas que pra você escrevi,
E todos os choros sofridos que me permiti chorar, e aqueles que tão prontamente engoli.
Faço funeral para que você se vá, e qualquer lembrança vá também.
Todas as canções que te cantei são agora trilha sonora de um cortejo fúnebre
Que será sua última pisada sobre as terras de mim.
   
Que você saia debaixo de minha pele e que, pelos buracos que você deixa,
Saiam os restos de tristeza e pesar que me entupiam a aorta;
E que eu seja cheia de contentamento e do bom amor que me foi roubado,
E que eu sorria mais do que sorria antes de saber que você existia,
E que eu nunca mais aceite suas migalhas, mas me farte do Pão da Vida.
   
E que, conforme seu caixão desça, e você desapareça, eu nem me lembre que um dia já sofri.
   
   

Ilusão

Não sei cantar
Meus dedos não deslizam tão graciosa e facilmente pelas cordas
De um violão bem afinado
Para que elas digam por mim mais que as palavras que me saiam;
Palavras ritmadas, bem rimadas,
Harmoniosas,
Contando uma história que eu ainda nem sei dizer
Se é pra valer.
Pudera eu estar tão esclarecida
Que entendesse exatamente o que a Vida
Quer me ensinar com toda essa confusão,
Toda essa bagunça, toda essa corrida
Que meu coração faz tão naturalmente em sua direção;
E eu não sei cantar, não sei dizer de forma musicada,
Porque é tão mais fácil de entender e explicar
Quando tem ritmo, melodia, e batida marcada.

Lamentação de Poetisa

Eu me desfaço em cada verso,
E logo me refaço no seguinte,
Mas a estrofe nunca é tão completa ou tão bela
Quanto o parágrafo que construo,
O parágrafo de cada dia da vida –
Sou melhor na prosa que na poesia.
Sou melhor na prosa que na poesia,
Porque a frase contínua é vida minha;
Mas estão mortas autora e narrativa,
E não há como vivê-las de novo,
Não há como contá-las, por ora;
Só restam minhas entonações falhas de poetisa.
Sou melhor na prosa que na poesia,
Porque o meu lirismo cheira à Covardia
De quem precisa de linhas partidas, e rimas,
E figuras de linguagem e alegorias
Pra que se faça escutada, contemplada,
Para que se faça ouvida.