Por que a gente tá cansado do WhatsApp?

Não sei você, mas eu e mais uma pilha de gente tem relatado constantemente um cansaço em relação ao aplicativo de mensagens e comunicação instantânea. Ao contrário do que seu pai ou algum cronista conservador poderiam afirmar, não é uma rejeição à vida “vazia” e “de aparências” de internet – apesar de haver alguma conexão distante. Diretamente, é uma questão dos limites que nossa mente nos impôs, em relação à interação com outros, e o caos que se instaura quando se tenta extrapolá-los.

Você provavelmente já ouviu falar daquela história de que uma pessoa só consegue interagir com qualidade com cerca de 150 pessoas, em seu círculo social. Esse dado, chamado “número de Dunbar”, foi averiguado pelo antropólogo britânico Robin Dunbar, ao longo de vários experimentos sobre interação social, primeiro em primatas, depois em seres humanos. Outros pesquisadores, com o fenômeno das redes sociais, tentaram, de várias formas, demonstrar que a internet poderia alterar esse número máximo de interações, mas só conseguiram provar as limitações cognitivas sociais dos indivíduos. Ou seja, não adianta tentar abraçar o mundo todo com as pernas. Você pode até ter um coração de mãe, mas, social e biologicamente, você vai ter superlotação em algum momento. E isso já está acontecendo.

Na verdade, isso acontece sistematicamente desde que você é criança, e aconteceu com seus pais, avós, bisavós, e todo mundo, basicamente. A vida passa, as pessoas vêm e vão, algumas ficam, outras não, e nossos círculos sociais vivem em uma dinâmica constante. Tem gente que sente raiva pelos que não ficam, e culpa quando são eles próprios quem vão, mas, mesmo nos limites mais saudáveis de interação entre humanos, as relações não serão totalmente fixas e estáveis. Mesmo um casamento, por exemplo, que é pensado para ser pra sempre, é apenas de um momento em diante, não dura a vida “inteira”, desde o primeiro fôlego ao último. Se cada vida fosse uma linha, o universo seria um grande novelo, um emaranhado de linhas diferentes, sobrepostas, entrelaçadas, separadas, mas todas indiscutivelmente individuais e únicas. 

O problema das redes sociais é que a intensidade das interações e comunicações na esfera virtual geram algumas confusões. Aquela falsa impressão de proximidade e familiaridade que se sente por acompanhar a rotina online uns dos outros complica os limites que existem nos círculos sociais de cada pessoa. Uma interação superficial frequente pode gerar, em uma pessoa, uma sensação de um vínculo mais profundo do que a outra parte supõe, o que leva a muitas frustrações infundadas – por exemplo, seu amigo de Instagram que não te convidou pra festa de aniversário dele, ou a pessoa que se ofendeu com você porque você não a convidou, a despeito dos vários tweets que trocaram ao longo da semana anterior. Algo nesse sentido.

E, aliás, existem muitos limites entre a interação virtual e a interação real. Não tem como chamar pro seu casamento ou pro seu aniversário todas as pessoas que “torcem pelo seu bem” pelas redes, principalmente pessoas que não fazem parte do seu dia-a-dia realmente, as coisas são sempre mais complicadas que isso. Hoje, vi no Twitter um amigo comentando de como estava devendo muitos cafés, cinemas, encontros com tantas pessoas, marcados pelas redes, alimentados pelas redes. Os nossos muitos círculos se sobrepõem o tempo todo, entre trabalho, faculdade, igreja, academia, os amigos exclusivamente da internet, e manter contato virtual com gente do passado, por exemplo, é extremamente desgastante, porque gera uma cobrança de tentar manter todas as pessoas da sua história na sua vida ao mesmo tempo. Porque, de alguma forma, vocês se sentem participantes da vida um do outro, e obrigados a tentar manter algo que talvez tenha perdido a espontaneidade, que não faça mais tanto sentido, ou que simplesmente tenha sido superado. Não que eu seja defensora de simplesmente fechar portas do passado; eu valorizo laços, valorizo alianças! Mas é inegável que a vida segue, todos os dias, e, por mais difícil que seja aceitar, as pessoas seguem também.

E existem ainda outros agravantes nessa situação, como o caso dos influenciadores digitais, que atraem muita gente por serem figuras de referência e destaque no ambiente virtual. Desde aqueles que têm milhões de seguidores e impacto mundial, até os que colecionam alguns milhares e influência muito local, no ambiente virtual, onde as interações são muito fáceis, isso gera um acúmulo de atenções em alguns indivíduos que pode ser extremamente cansativo. Toda nova interação gera na outra parte a esperança de uma amizade que é de seu interesse, e gera um contato insistente que é objeto de frustração pra uma parte, e incômodo para a outra. E tem aquela sensação constante de que todo mundo tá sempre se achando no direito de opinar na vida do outro, sendo que, pra início de conversa, expôr-se nas redes nunca foi se fazer objeto da opinião pública. Nunca deveria ter sido.

E isso não se restringe à quem tenha alguma influência virtual, de forma alguma. O problema está mesmo nesses limites mal-definidos de interação, amizade, contato, e nossa própria capacidade de gerenciar tanta gente ao mesmo tempo. Estamos saturados. EU estou saturada! E a culpa é meio minha, meia dos outros. Principalmente pra pessoas como eu, que gostam de se colocar à disponibilidade de ajudar todo mundo, sem pensar se terão tempo ou disponibilidade real para isso. A culpa não é das pessoas por responderem à uma mão aberta que eu mesma estendi, mas sempre tem quem abusa, e, bom, isso aqui não é um ensaio sobre quem é mais responsável pelo problema. 

O WhatsApp virou bode expiatório desse momento de saturação porque é o mais instantâneo dos aplicativos, aquele que gira em torno de ser uma ferramenta direta de comunicação. Mas é tudo um sistema, porque todo mundo já se irritou quando esperava uma resposta de alguém, e via que essa pessoa estava ativa em uma outra rede social. Esse tipo de irritação se resolve com um exercício simples de empatia. Colocar-se no lugar dos outros te ajuda a tratar as pessoas como você gostaria de ser tratado, mas não se irritar com quem pode estar tentando fazer a mesma coisa, e falhando, como você mesmo já deve ter falhado. Mas não é suficiente.

Quando limites são quebrados, ultrapassados, é preciso se posicionar firmemente para reestabelecê-los. A nossa vida deve ser um esforço cuidadoso para não dar motivos pra que ninguém se escandalize conosco, mas sabendo que isso é inevitável, porque as ações e pensamentos dos outros são incontroláveis. Afastar-se de algumas pessoas, cortar alguns laços, deixar de responder algumas mensagens. Sair das redes, para os mais radicais – meu pai, inclusive, usa apenas WhatsApp na vida, e não poderia estar mais tranquilo e satisfeito.  Também explicar com cuidado a alguns que nem tudo aquilo que se quer fazer, tem-se tempo para. Eu, por exemplo acho profundamente difícil dizer não pras pessoas que me procuram em busca de algum tipo de ajuda ou auxílio, mas eu estou, no momento, no limite do que consigo fazer, na altura dos meus 22 anos. 

Os gregos entendiam que limite é “a partir de onde uma coisa consegue existir em sua própria essência” – ou seja, ser plenamente ela mesma. Seu limite, nosso limite, é o limite da nossa humanidade, e, até onde eu saiba, não temos capacidade pra ser plenamente nada além de humanos. Quem é Onipotente é Deus, eu sou só uma trouxa que tem mensagens demais sem responder no WhatsApp. Aliás, me perdoem por isso, porque a maioria não é de propósito. Não posso prometer que vou melhorar porque estou fazendo meu melhor e não consegui gerenciar, ao mesmo tempo, todas as pessoas que eu de alguma forma amo e com quem me importo na minha vida. Não conseguir lidar com todas ao mesmo tempo não é, nunca foi, sobre não ter sentimentos, mas sobre a dialética da vida colocada diante disso tudo. Tudo começa e termina e, como isso não pode ser impedido, mais sábios seríamos se tirássemos disso a beleza e a delícia de estar vivos. 

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Um comentário honesto sobre Nós – o que eu acho que sei sobre Amor, Verdade, e os clichês do Ser.

     (Não que os outros não tenham sido honestos, claro)
     Gastei algum tempo hoje refletindo sobre tudo que eu tenho escrito e pensado nos últimos meses. Esse blog sempre foi principalmente um canal pra extrapolar os meus pensamentos sobre várias coisas, mas uma análise atenciosa demonstra como eu tenho uma tendência inegável a refletir sobre o Ser e suas muitas implicações.
     E isso não é um sintoma de excesso de discurso e falta de prática. Pelo contrário; sem transformar isso em uma autodefesa, mas eu sempre busquei ser atenta às implicações práticas das coisas nas quais eu pensava. Aliás, foi assim que esse comentário honesto aqui nasceu; uma reflexão sobre o que eu aprendi, depois de tantas crises existenciais, emocionais, espirituais, histéricas e afins. Ou o que eu estou aprendendo, porque o processo parece longe de acabar.
     Ainda quero desenvolver isso melhor em outro momento, mas por ora basta eu te contar que tem uns 5 ou 6 anos que eu tenho pensado muito sobre como o mundo precisa de mais empatia. “Mais Amor, por favor” não adianta nada se tivermos mais amor interesseiro, egoísta, buscando os próprios ganhos e benefícios – amor este do qual o mundo JÁ está transbordando. O genuíno Amor transformador, desde os contos de fada até as mais antigas religiões da humanidade, é o Amor desinteressado e altruísta. E não existe Amor que se sacrifica sem empatia, sem a capacidade de se enxergar na dor do outro (e, sim, isso é bíblico – Hebreus 4:14-16, a empatia é o fundamento do milagre da Graça).
     Indivíduos só são capazes de se compadecer daqueles que eles enxergam como sendo seus semelhantes. Por isso alguns seres parecem ser mais “humanos” que outros, para certas pessoas – diferenças de classe, etnia, língua, e até espécie (pra certos vegetarianos/veganos radicais) alteram o grau de humanização que atribuímos uns aos outros. E se eu me vejo como diferente de todo mundo, ou melhor que todo mundo, vou desejar pra mim apenas coisas que não desejo pros outros, e se eu realmente acredito que todos somos iguais, vou buscar justiça pra que todos possam compartilhar dos mesmos direitos, e assim por diante. O princípio é simples. Mas tá, o que tem a ver?
     Quem me conhece há vários anos provavelmente se lembra muito bem de uma certa arrogância e um nível de egoísmo que permeavam tudo que eu fazia (sem tempo pra explicar com detalhes, mas eu me sentia tão isolada na vida que eu acreditava que ninguém era como eu e etc.). Pela misericórdia de Deus, tô me aproximando dos 23 com a plena conviccção de que a maior parte disso foi destruído na minha vida. Pela misericórdia de Deus, eu reitero, porque foi Ele quem permitiu que os caminhos que eu mesma escolhi pra mim fossem organizados pra me levar até o fundo do poço.
     O lado legal disso tudo é que Ele foi comigo e, chegando lá, pelas minhas próprias pernas, Ele foi a luz que me permitiu ver que, ao contrário do que eu pensava, eu nunca estive sozinha, nem no fundo daquele poço – muita gente tava lá. Muita gente que eu amava, conhecia, admirava, gente até cuja aparente perfeição machucava a minha percepção de mim mesma. Aliás, vamos tratar essa ilustração como se eu estivesse caída no Inferno de Dante, em vez do fundo do poço, e a luz divina me permitiu descobrir que eu não estava sozinha no meu círculo, mas que havia muitos outros, acima de mim, abaixo de mim, mas, mais importante, todos lotados.
     Nada é novidade. Todo mundo é um caos. Já leu isso antes, aqui? Vai ler muitas vezes ainda. É a verdade nua e crua (ou não a verdade inteira, mas pelo menos uma boa parte dela).
     Cada ser humano é um universo desgovernado em si, todo antagônico, e a maior revelação da minha vida foi descobrir que eu não era a única em guerra, a única dormindo aos prantos todos os dias, incapaz de formular pensamentos equilibrados ou passar um dia inteiro sem me odiar completamente. Eu descobri que todo mundo tinha níveis de carência, e todo mundo queria conseguir coisas por mérito próprio, fazia muitas coisas pra aparecer, postava fotos pra ver se uma pessoa X ou Y curtia, dormia no meio do tempo de oração, gastava horas preciosas refletindo sobre coisas desnecessárias.
     Descobri, entre lágrimas e risos, que nós todos somos humanos. Meu Deus! Que revelação aguada. Qual a grande surpresa?
     Meu problema com os clichês é que, quanto mais eu reflito sobre a vida, mais eu percebo que eles são reais, e que nossas vãs tentativas de quebrá-los nos fazem esquecer das verdades mais fundamentais da vida. Qual é a graça real em quebrar todos os paradigmas, mesmo? Tem coisa que, de tão desconstruída, deixa de ser verdade e vira mentira, só pela abstração. Parece capenga falar tanta coisa aqui como eu falei, pra no fim só constatar que nós somos todos humanos, mas será que nós já de fato vivemos como se entendêssemos que somos humanos? Fiz um exame cuidadoso de mim mesma aqui e, não, eu não. Não sei quanto a você.
     Não se engane. Muita gente ao seu redor tem tanta vontade de crescer e provar que pode fazer melhor que os próprios pais quanto medo de crescer e descobrir que é igual ou pior que eles. Quase todo mundo perderia o sono por ansiedade, ou esperaria coisas e se frustraria. São nossas tendências naturais. Se existe algum prumo que possa alinhar essas bagunças e nos ensinar a enxergar as coisas simultaneamente do nível do solo e dos olhos do pássaro, isso é outra história. Aliás, é o tal do processo do qual eu falei um pouco na “Carta aberta aos meus amigos”. Uma versão macro da mágica que transforma o caos dos pensamentos em poesia.
     Enfim. Amor. Empatia. Somos todos iguais, ou pelo menos muito parecidos. Não se cobre tanto, mas não se acomode. Não use as diferenças pra justificar as divisões. Não use as semelhanças pra justificar a uniformidade. E, se tudo isso aqui se parece demais com tudo que você já leu ultimamente, eu espero que hoje você acredite e aceite. E, se não for hoje, que outra pessoa, mais competente que eu, te convença a aceitar sua essência. Algum dia vai. Algum dia, vai.
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