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Corvo Correio | the Raven Post

Writings by Luisa do Amaral

van gogh

Vincent van Gogh em Paris, acrílico sobre tela, 2016.

November 22, 2017 — 3 Comments
Vincent van Gogh. Noite estrelada sobre o Ródano (1888). Musée d’Orsay.

Era quase meia-noite, cruzando de ônibus uma das muitas pontes de Paris, entrando na cidade. A luz da lua e das estrelas sobre o rio Sena fazia parecer o Ródano, e os tons de azul da noite faziam suspirar as cores e amores de um pintor em especial. Era tarde, mas eu não hesitei em fazer uma parada não planejada ali perto. No fim das contas, eu já desviei meu caminho por coisas menos belas.

Ele já estava me esperando, tão debruçado sobre a ponte como se quem observasse mais o abismo da queda que a superfície das águas. A ilusão era completa, com cabelos vivamente laranjas, como se pintados de tinta acrílica brilhante. Quem sabe haveria até uma cafeteria aberta por perto. São poucos os momentos em que a vida é naturalmente graciosa com quem vive com a cabeça nas nuvens, mas, nessa noite, eu diria que várias horas de desgraçamento mental pagariam um pouco. Eu teria uma conversa com Vincent van Gogh.

“Quantos tons você enxerga?”     

“Bom, depende. Quantos tons existem pra se enxergar?”     

“Esse é exatamente o segredo, você entende? Existe sempre um tom entre o outro. Um entretom, e entre os entretons, um entre-entretons. É virtualmente infinito.”   

 “Quantas cores dif—” (eu provavelmente deveria ter me lembrado que ele não era conhecido por ser um bom interlocutor)     

“Você entende, na verdade, que a riqueza não está no fato de haver tantos tons e nuances, mas na percepção apurada que consegue percebê-los. Um olho comum, um olho qualquer, só enxerga que lhe convém que existam as cores primárias, por exemplo, e algumas secundárias pra fechar a conta. Essas pessoas, não poderiam estar mais distantes dos céus, quanto os céus estão distantes da terra.” Não quis me arriscar a ser interrompida de novo. Não havia mais ninguém na ponte.     

“A maioria dos mortais, você vê, é tão pobre, que vive uma vida leve mediante a superficialidade. Só tocam a superfície do que é belo, porque o que é belo na superfície pode ser tocado por cima, sem nos tocar fundo. Arranhar, cavar a terra, encontrar na ponta mais distante do solo, as raízes, as origens, o sustento, tudo isso custa muito. A vida, ela pesa sobre quem quebra os frascos de vidro e se banha no perfume genuíno, na essência de todas as coisas.”     

“As cores, elas são belas?”     

“As cores que você nomeia, talvez, mas mais é o que se faz com elas. O Deus Criador pinta os céus todos os dias, a todas as horas, em todos os minutos em que as nuvens e as luzes explodem em cores, e nunca os céus de um dia são totalmente iguais aos do outro. Nem mesmo nos dias cinzentos e nublados. Isso, isso é belo. Nós somos o esforço.”     

Ele continuou, de costas para o rio, observando os prédios da cidade, ao longe.     

“Eu sinto pena de quem espreme os dias em ordens infinitas, certo de que, na ordem, existe uma segurança engarrafada, que pode ser bebida, que tem o mesmo gosto de felicidade. Esses são os que sentem pena de mim. A vida pesa, todos os dias, quando você contempla um abismo, e um abismo chama outro abismo, mas, só das coisas mais profundas pode sair qualquer esperança de contentamento, ainda que a dor seja inevitável. Vocês querem beleza? Olhem para as nossas cicatrizes, dos cortes que a vida nos deu. Elas não mais sangram, mas ainda doem um pouco toda vez que você aperta.” Ele apertava meu braço, como quem sabia que a minha pele sem manchas aparentes escondia marcas que não eram visíveis aos olhos.  

“Eu nunca vi beleza em mim.”     

“Eu nunca tive beleza em mim. Pelo menos, na superfície, ela passou muito rápido. O tempo e as dores foram ingratas. Mas eu tirei beleza de mim, tirei a beleza de dentro. As pessoas se lembram de mim com pena, com duvidas e questionamentos, mas elas não contemplam o ponto mais crucial dos meus 37 anos.” Estávamos como espelho um do outro, encarando o rio de novo, com os rostos apoiados nos punhos.     

“E qual seria?”     

“Eu nunca fui tão inocente, sempre soube que meus dias acabariam cedo. Mas, ainda que meu corpo morresse, toda a vida que havia em mim explodiu em cores e formas e pinceladas em telas. A vida que havia em mim continua vivendo e fazendo viver outros. Ainda que fosse uma outra pessoa só. Isso já significa alguma coisa.”

Passamos algum tempo em silêncio, escutando o som suave das águas correntes. Os carros que passavam ocasionalmente não faziam desaparecer o meu delírio. Nenhum outro ônibus deu sinal por aqueles lados.     

“Eu queria poder voltar no tempo.”     

Vincent não me respondeu. Tomou meu rosto em suas mãos, virando de um lado para o outro, como quem avalia a qualidade de uma antiguidade. “Você tem beleza sim, Amélia, mas tem muito rosto no meio do caminho. Precisamos espremer suas cores pra fora, primeiro.”     

Eu não me lembro exatamente como aconteceu, mas, mal pisquei, e já estava sozinha de novo. Não teve café, nem conhaque, mas teve um gosto amargo de tinta na boca. Cuspi no rio, mas não passou. Fui embora a pé.

Paris, 19 de Junho de 2016
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