“30 de 28”, ou “a vida que eu não sabia que teria”

In English.

Há 10 anos, exatamente 1 mês depois de completar 18 anos, eu publiquei um texto neste blog, chamado “‘30 de 18’, ou ‘Por que estou decepcionada comigo mesma’”. É um relato frustrado de tudo aquilo que eu achava que seria até os 18, e como eu me sentia naquele momento por não ter me tornado nada daquilo. Acho que havia acabado de assistir algum vídeo em que um jovenzinho brilhante de uns 13 anos fez cair a minha ficha de que eu não era uma adolescente mais, crescida demais para continuar sustentando minha personalidade totalmente baseada em me sentir uma jovenzinha brilhante. 

Minha playlist de aniversário desse ano.

Me contorço toda de vergonha quando leio aquele texto hoje em dia — mas não sem um pouco de compaixão pela Luisa de 18 anos e 1 mês, que se sentia extremamente solitária, perdida e incompreendida, na maior parte do tempo. E confesso que sinto ainda mais vergonha quando leio a “resposta” que eu escrevi quatro anos depois, “‘30 de 22’, ou ‘Por que não estou mais decepcionada comigo mesma’”. A Luisa de 18 escrevia com a frustração de quem não estava vivendo a vida que desejava viver, mas a Luisa de 22 escrevia com a confiança quase impiedosa de quem acreditava piamente que havia encurralado Deus Todo-Poderoso e arrancado das mãos dEle os planos da Eternidade. Aquela Luisa talvez tivesse um ataque de nervos se descobrisse que todas as certezas sobre o futuro que estavam sustentando aquela confiança foram frustradas. Mais do que isso — mesmo seis anos depois, nós continuamos trabalhando para apagar os resquícios emocionais daquele futuro que tínhamos certeza que estávamos construindo. 

Foi só recentemente — literalmente há algumas semanas — que me caiu a ficha de que, esses anos todos, eu segui como se estivesse vivendo a vida errada, incapaz de abraçar completamente a vida que eu recebi, a vida que eu não esperava, que eu não sabia que teria. Foi uma conclusão difícil de digerir, mas surpreendentemente fácil de perdoar. Eu olho ao meu redor, e entendo como as pessoas se acabam presas em ideias e concepções ideais sobre a vida, sobre os outros, sobre tudo, porque o tempo passa muito rápido, e não dá para prestar atenção em todos os cantos e dobrinhas do córtex, e é justamente nesses cantinhos que as coisas perigosas criam raiz, e crescem em silêncio. Não tem coach, terapeuta, consultora, assessora, secretária, nutróloga, que dê conta, todos os dias, de todos os lugares difíceis de limpar da nossa alma. A bagunça é grande, é fácil se perder dentro de si. 

Me lembro de uma frase que li há alguns dias, em um artigo científico — “Há de se esperar que 20 anos de pesquisa teriam aumentado a credibilidade de algumas teorias, e reduzido a de outras. Mas isso não parece ter acontecido.”[1] Ri sozinha, pensando no que eu achava que seria de mim aos 28, quando fiz 18. Havia de se esperar que dez anos de vida adulta teriam me ensinado várias coisas que eu esperava já ter aprendido, mas isso não necessariamente aconteceu. Queria ter me resolvido melhor com certas dificuldades que me atormentavam na época, mas eu acabei arranjando outros desafios — os cantinhos difíceis de limpar, como sempre. A vida continua acontecendo enquanto eu tento dar uma geral na casa; o vento traz pó por entre as frestas, a sola dos meus sapatos traz sujeira, as roupas que eu visto e revisto estão cheias de plumas, e entra chuva pela janela que eu esqueci aberta. 

Um dos registros que sobrou da minha festa de 18 anos, na sala 24 horas do Bloco I da UFU (um minuto de silêncio pelo meu Facebook hackeado) + o único registro do meu jantar de aniversário de 22, dos stories da minha irmã + uma foto do parabéns que cantaram pra mim na reunião de Domingo da KAIST Church, pelos meus 28 anos. O detalhe mais importante das fotos é que, na primeira e na segunda, eu ainda podia comer glúten; na terceira, compraram scones feitos com farinha de arroz pra mim.

O desafio dos 28 é começar a reconciliar as diferentes partes de mim. Vai ser um caminho longo, mas quero acreditar que é possível que, um dia, meus pensamentos, sentimentos, e minhas ações, cheguem o mais perto possível do aqui e agora, da pessoa que eu sou. Aliás, acho graça pensar que nem a Luisa de 18, nem a de 22, conseguiriam imaginar que, no Março dos nossos 28, seria um começo de Primavera gelado na Coreia do Sul, cheio de cerejeiras em flor — as sakuras que davam nome à nossa personagem favorita da infância. A de 18, especialmente, que pensava que seu tempo para viver certas coisas já havia passado (quanta inocência), ficaria surpresa ao saber que, dez anos depois, seria estudante de um dos maiores institutos de tecnologia do mundo. Mas esse texto aqui não é sobre o que eu alcancei ou deixei de alcançar, porque isso seria uma medida muito rasa de tudo que mudou dentro de mim ao longo dessa década, e uma representação muito efêmera da minha vida. Ser gente é essa experiência escandalosa de viver tudo pela primeira, última, única vez, e ter que acumular vários anos antes de aprender que às vezes eles parecem muitos, e outras vezes parecem poucos. Onde quer que eu estivesse agora, neste grande ano de 2023, eu gostaria de estar buscando a mesma coisa, buscando chegar ao mesmo lugar. 

Existe um pensamento que consome todas as minhas reservas de energias para a vida, que é a ideia de quantas outras frustrações eu ainda tenho para viver, daqui pra frente. Se tem outra pandemia, ou mais uma guerra, ou se a tecnologia finalmente vai chegar longe o bastante para que a sociedade contemporânea imploda por conta própria, enquanto eu ainda tento achar o ponto certo do equilíbrio entre trabalho e lazer. Não dá pra saber. O único remédio contra parece ser procurar viver com calma. Colocar minha cabeça em um lugar em que eu consiga fazer planos sem tentar competir com Deus pra ver quem passa na frente, e encontrar, nas sobreposições das muitas dimensões do tempo e do espaço nas quais eu já vivi, que eu já ocupei, a minha forma atual, certa de que ela não é fixa, e que ainda temos muito para mudar. Só posso continuar tentando viver com sabedoria, trabalhando de pouquinho em pouquinho pra chegar até onde quero chegar. Quero descobrir o contentamento que não depende da confiança que eu tenho no meu controle sobre as coisas. Quero viver com um pouquinho mais de paz hoje.

Minha música oficial dos 28. Um pouco nostálgica, com saudades de algumas coisas, dúvidas sobre outras, mas esperança.

[1] One might hope that 20 years of research would enhance the credibility of some theories and reduce that of others. But this does not seem to have happened, partly for a reason rarely discussed: researchers regularly describe their conclusions in terms too vague to be very useful. (p. 30).

Burstein, P. (2003). The Impact of Public Opinion on Public Policy: A Review and an Agenda. Political Research Quarterly, 56(1), 29–40. https://doi.org/10.2307/3219881

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