Vinte e Quatro Horas


     Tudo que eu era o Tempo levou. Tudo que eu era, eu deixei que o Tempo levasse. Em tão pouco tempo deixei que o Tempo levasse uns sonhos. Tem bem pouco tempo deixei que o Tempo levasse esperanças. Não faz muito tempo, deixei que o Tempo levasse fragrâncias. Aromas familiares ainda por vir também deixei que fossem embora com o Tempo.
      
     Dez mais oito anos e eu já não quero um romance. Dez mais oito anos e eu já não creio num romance (para mim). Dez mais oito anos e eu só sei falar de tudo (ruim); dez mais oito anos e eu já frustrei meu próprio ser mais de dez mais oito vezes. Eu sozinha, eu mesma, sem ajuda de qualquer outro alguém. Em um processo masoquista que se renova todos os dias, mais de dez mais oito vezes por dia, eu me converti em meu pior inimigo desses dez mais oito anos de Vida.
     
     E eu até tento passar uma imagem de forte, de quem não tá nem aí, mas eu sei que não funciona. Sou só uma criancinha, pra quem não tão nem aí. Eu tava aqui, fui pr’aí, mas acabei o dia de hoje ali, sozinha. Embolei os poemas e joguei-os aí do seu lado do muro. Eles estão aí, agora.
     
     Perde a graça sonhar com romance quando tem tanta coisa na Vida. Não teve mais graça imaginar porque, no fundo, fiquei enjoada. Fiquei enjoada da graça das pessoas apaixonadas. Ninguém se apaixona de graça. Não tem graça se apaixonar quando tudo tem graça pra você. Tudo é lindo, belo e gracioso, mas não mais. Não há mais graça.
     
     Se eu sentasse e esperasse, ou saísse e procurasse, será se faria diferença? Se eu fosse e encontrasse, ou se buscasse e nunca achasse, será se eu seria feliz? Se eu quisesse e não gostasse, ou se gostasse e não quisesse, será se eu teria pra mim? Se eu amasse e não fosse amada, ou se eu fosse amada e não amasse, será se um dia mudaria?
     
     Eu sou carente de todas as expectativas que deixei que o Tempo levasse.
     
***
     
     O Sol veio, daí se foi, e por mais vinte mais quatro horas ninguém foi capaz de encontrar uma solução ao problema da fome e da sede na África.

Empatia – Desiludido Iludido.


Meu lado racional se manifesta como um homem de 30 anos, que vive assumindo vários papeis, por pura diversão. Hoje: Desiludido Iludido.
“Eu nunca havia acreditado plenamente na infelicidade. Sempre pensei que era nada mais do que uma percepção distorcida de uma realidade menos brilhante do que nossas vãs esperanças pediam. No entanto, não é necessário muito mais do que alguns anos pra que essas ideias de um mundo mágico e bonito desapareçam. Quanto mais se cresce, mais se vê do mundo, e menos se gosta nele.
     
Eu gostaria de ter sido a exceção. Na verdade, até bem pouco tempo, eu acreditava ser a exceção. Mas era óbvio que isso não duraria além dos 20 anos. Esse é o prazo de validade da maioria das ilusões infantis. Depois disso, infantilidades não passam de tentativas inúteis de recuperar aquela sensação gostosa e colorida de acreditar que vivemos numa terra de gente boa, que basta procurar por elas, que ainda são a maioria nesse mundo. Dulcíssima ilusão.
     
Gente boa não existe. Naturalmente, naturalizada, gente que se desfaz em bondade, alegria e contentamento, não existe. Existe gente esforçada, gente bem treinada, gente interessada, gente querendo gostar do mundo e das pessoas. Gente muito esforçada em agir com bondade. Não me venham com teorias filosóficas pra tentar provar que estou errado. É assim e ponto. Já sou velho o suficiente para não me apegar mais à essas discussões vãs, que só geram discórdia.  Discórdia não é algo que me interesse. Estou cansado, cansado. Cansado.
     
E nem mesmo essas pessoas esforçadas em ser boas podem ousar ser chamadas “feitas boas”. Porque aquele maldito ímpeto de matar alguém que te olha e te responde mal está lá ainda, só que controlado. Dr. Banner poderia colocar o Hulk em coma, que ele não deixaria de ser Hulk. Dormir não quer dizer matar. E nem mesmo matar pode significar morte. Principalmente em relação aos sentimentos e às ideias. Sempre tem algum filho de mãe pra reunir as esferar do dragão e ressuscitar tudo aquilo que deveria ter sumido. 
     
Vocês todos sabem muito bem do que estou falando. Já até se lembraram de situações em que tudo isso fez sentido nas as vidas ridiculamente maldosas e hipócritas.
     
Vamos parar com a tal da hipocrisia. Não há pessoas boas.
     
Existe apenas o coração. Apenas o coração.”