O Caráter do Arquiteto do Universo

     Os niilistas se desiludiram na vida porque somaram todas as probabilidades e entenderam que nada aqui faz qualquer sentido. Nascer, crescer, sentir, viver, amar, nem o famoso “viver pra fazer o bem” fazem sentido se todo mundo vai nascer e morrer igualmente. Mudar a vida das pessoas? Você e o outro vão se esquecer, vão morrer; nada tem valor, a menos que exista um projeto maior. Os tais do niilistas não acreditam que o tal do projeto exista. Eu testemunhei dele. Conheci o Arquiteto.
     
     Aliás, eu sou uma arquiteta (bom, quase), mas um dos caras que eu mais tentei imitar na vida era Físico. Meu amado Albert Einstein não acreditava em Deus, não como eu acredito, mas ele entendia, por observação, um princípio que eu aprendi com a boa prática de projeto – Deus não joga dados com o Universo. A mais excelente experiência projetual vem através de um trabalho exaustivo de garantir que todos os fatores possíveis e imagináveis sejam coerentes, coesos, funcionem juntos, e, mais importante de tudo, sejam as respostas adequadas aos problemas que eles respondem. Projeto, essencialmente, é isso, uma resposta a um problema – pode ser uma resposta artística, técnica, determinista, livre, espontânea, aberta, fechada, matemática, mas começa numa necessidade e termina em como o Arquiteto a resolve.
     
     E dois Arquitetos diferentes não projetam um mesmo programa de necessidades da mesma forma, porque o charme da Arquitetura é o caráter e a personalidade de quem projeta permeados nas linhas do desenho do projeto. Tem uma essência específica do Niemeyer nas curvas que ele desenhava que não está presente na curva ampla que Lúcio Costa desenhou, cortando Brasília de Norte a Sul. Os ângulos retos de Mies van der Rohe não são os mesmos que os da Lina Bo Bardi. E, falando da Lina, a semelhança entre seus projetos está nas sutilezas de quem ela era, porque ela soube, como poucos, responder com exatidão artística e técnica às necessidades colocadas diante de si. Entre no SESC Pompeia e se maravilhe com os inúmeros detalhes e a explosão de usos e sentimentos que eles podem inspirar. E se pessoas foram capazes de obras tão sublimes, quanto mais aquele que a Palavra chama de “O Arquiteto do Universo”. Aquele que lançou os fundamentos da terra, levantou os limites dos mares, ensaiou o balé das estações e colocou o planeta pra girar, dia e noite, sem parar, através da mais sublime Sabedoria.
     
     Qualquer dia muito ruim pode ser suavizado por alguns minutos com um pôr-do-Sol enquadrado por uma janelinha. Você tromba exatamente com quem queria na rua, numa precisão geométrica, sabendo que, se tivesse olhado pro ângulo errado, teria perdido. Às vezes, escapa por pouco de bater o carro e, no dia seguinte, precisa muito dele. Às vezes, bate o carro, e no dia seguinte, de ônibus, escapa de um assalto no atalho que pegava todos os dias, ou passa um bom tempo não planejado em casa com sua mãe, de repouso de uma perna quebrada. Um problema que acontece hoje faz todo o sentido três meses, ou três anos, ou trinta, depois.
     
     Uma sucessão de incertezas e fatalidades não gera beleza. O final de uma roleta russa só pode produzir morte. Jogar dados é um desafio de azar. Um bom projeto, no entanto, produz relações ricas, se adapta às múltiplas pessoas que o vivenciam todos os dias, e permanece no tempo se for sempre bem gerido, bem cuidado. É esse o caráter de Deus, o Arquiteto disso tudo, e Edificador, e Gerente Supremo. 7 bilhões de pessoas vivas, milhares morrendo, milhares nascendo, todos os minutos, riqueza, pobreza, guerra, fome, e nossa capacidade humana de levar o livre-arbítrio às últimas péssimas consequências. Ainda assim, por mais que seu pessimismo tente te convencer do contrário, você sabe que existe esperança, porque, na multiplicação das possibilidades, você entende que a chance de que você estivesse aqui, agora, é tão ínfima quanto a chance de que Deus exista.
     
     Aí começa a fé.
     
     Você é completo e perfeito sendo exatamente quem você é, algo que ninguém mais é capaz de fazer no mundo, mesmo entre 7 bilhões (e uns quebrados) de pessoas. Olhe pra exatidão do Universo e descubra o que o Arquiteto diz sobre quem você é – talvez você seja uma porta, uma parede, uma pedra do jardim, ou uma tubulação de esgoto, e esse projeto não funciona plenamente sem a sua função – pode até estar em você a solução para os problemas dos quais você tanto reclama. Se te falta conhecimento de quem você é, ou do que você faz, divirta-se com um bom estudo de caso – leia O Livro, converse com outros funcionários, analise os desenhos, e sente-se e convide o Arquiteto para um café. A agenda dEle está sempre aberta pra você.
    

Ponto de Fuga

     Estava vendo fotos das minhas viagens (faço isso frequentemente), e encontrei uma vista do alto do salão do Museu d’Orsay, em Paris. Pra além de ser um projeto incrível e um museu fantástico, a foto é naturalmente bonita por causa do ângulo em que foi tirada. Estou longe de ser uma fotógrafa muito talentosa, mas o local de onde eu observava o salão do museu permitiu que o ponto de fuga da cena ficasse claramente destacado.
    
     Eu cresci entre papéis e lápis de desenho, sendo ensinada pelo meu pai e minha mãe nos caminhos da arte. Acabei na faculdade de Arquitetura e, em um dado momento disso, virei brevemente professora de desenho pra alunos que queriam entrar no curso. Quão grande foi minha surpresa quando eu descobri que muita gente não consegue enxergar os pontos de fuga quando olha pro mundo!
    
     Os anos de treino fazem com quem eu naturalmente identifique os eixos principais de construção de qualquer objeto ou cena que observo, e isso é natural pra desenhistas, artistas, arquitetos. Uma pessoa que não foi ensinada a entender o básico de como funciona a geometria dos pontos de fuga consegue vê-los, mas não os entende, não os identifica. Elas são capazes até de desenhar um objeto em “perspectiva” com linhas paralelas, apesar de sua visão mostrar o contrário, porque elas não foram ensinadas a enxergar isso. 
    
     Acontece que pontos de fuga e perspectiva não são facilmente entendidos porque não são materializados. São uma estratégia da nossa visão para que o mundo ordenado faça sentido em sua profundidade completa. Sem as deformações da perspectiva, não conheceríamos este mundo em toda sua altura, largura e profundidade. 
    
     O ponto chave da questão é justamente como a falta de conhecimento de algo que todas as pessoas enxergam faz com que elas não entendam o que estão vendo. Me parece um pouco com o Evangelho. As boas novas da Salvação e do Reino de Deus não se encaixam na lógica comum deste mundo, mas, sem elas, este mesmo mundo não faz sentido. A altura, largura e profundidade da nossa existência são plenamente apreciadas sob a perspectiva de que temos um propósito que vai além dessa vida; que temos um Pai Eterno que nos ama, e fomos chamados a fazer parte de um Reino que nunca terá fim. E, por mais que isso pareça uma distorção da realidade, no fim, é a forma correta de enxergar a vida em sua plenitude.
     
     Uma vez, Jesus me disse que todas as coisas que criou nesta terra imperfeita eram uma metáfora da realidade espiritual. Isso faz todo sentido quando penso que a Bíblia fala em Provérbios 8:30 que Ele foi o Arquiteto do Universo. Assim como C.S. Lewis falava que cria no Evangelho como cria no Sol – não por vê-lo, mas por ver tudo através dele – , eu digo que hoje o Evangelho é meu ponto de fuga. A perspectiva ideal através da qual eu enxergo e compreendo o Universo que Ele criou. E assim como, um dia, ensinei alunos a enxergar os eixos que constroem nossa visão do mundo, quero ensinar outros a descobrir quais são os eixos que ordenam as perspectivas da vida.
     
      

A tal da foto.