The Beautiful Dream

     Eu nunca gostei de caixas de areia, na infância, porque detestava a sensação de ser engolida pelos pés, dedinho por dedinho. É claro, eu cresci longe da praia e do mar; mesmo assim, eu sabia que você tinha cheiro de água salgada – mesmo que eu sequer soubesse como esse cheiro deveria ser. Talvez você fosse uma concha, mas eu também só as conhecia de longe, da TV. Só conseguia imaginar quem você era e de onde você vinha, sentada aqui, nesse parquinho.

     Eu poderia jurar que tinha 25, mas na verdade eu era uma criança de 5. Muito menor que eu deveria, com pernas magricelas, encolhida em um banco pra que meus chinelinhos não tocassem o chão. Eu tinha certeza que estava no meu bairro, na minha vizinhança, mas eu não reconhecia meus vizinhos, e não tinha amigos. Você tinha alguns, eu reconhecia você. E, se você me chamasse pra brincar, eu iria, mesmo que eu tivesse medo da areia (porque não tinha medo de você). Mas eu nem sabia seu nome! Ou talvez eu soubesse, mas não me lembrasse. Por que era tão difícil reconhecer a hora e o lugar das coisas? Talvez eu tivesse 25, e fosse grande demais pra caixa de areia, e conhecesse o cheiro de mar, e tivesse sentido na sua pele o frio e a dureza das conchas, quando você veio e segurou a minha mão. Não, o tamanho dos dedos me dava a certeza de infância, que parecia tão abundante e fácil enquanto nós éramos pequenos o bastante pra segurá-la.

     Havia uma brisa fresca, e um sol se pondo sobre crianças brincando a tarde toda, como se cada hora na verdade durasse três ou quatro. Ainda assim, tudo passava rápido, como um borrão, como se fossem lembranças sendo recuperadas.Talvez fossem, mas eu não me lembrava de você. Construindo castelos, subindo e descendo de escorregadores, sujando as roupas e ralando os cotovelos e o ladinho do braço; você me acertou com lama, nós bebemos água suja, e eu não me lembrava de ter sido tão feliz antes dos 16. Poderia ser só um sonho, porque eu criança nunca faria nada que causasse problemas, ou fizesse bagunça. Minhas mãos de desenhista se sujavam apenas do grafite das muitas histórias de princesa que eu já havia inventado, mas hoje eu realmente tinha um castelo. Você até tentou ser rei sozinho, mas eu já era uma arquiteta muito melhor, e conquistei aquela terra para mim também.

     E poderia ter chovido, e minha mãe poderia ter saído pra me procurar, e se assustar com a cor dos meus joelhos e da minha camiseta branca. Poderíamos ter perdido a escola no dia seguinte, porque acordamos com o peito cheio, de brincar por tanto tempo no sereno. Poderia ter sido um sonho, mas não era, porque eu estava acordada, e tinha 25, e suas mãos muito grandes seguravam as minhas, que continuavam pequenas, sentindo o frio e a dureza da sua pele de concha. Talvez eu estivesse intoxicada pela maresia, talvez eu estivesse intoxicada imaginando como seria se eu tivesse tido você comigo a vida toda. Naquele fragmento de tempo, nosso momento parecia se cruzar com a Eternidade, e eu podia escrever uma história inteira que nunca havia existido, só de respirar a certeza de que, com você, eu finalmente estava em casa.

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